São Paulo, domingo, 21 de novembro de 2004

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ORIENTE MÉDIO

Sem apelo popular, mas com apoio internacional, Abu Mazen deve ser eleito o novo presidente da ANP

Abu Mazen domina bastidores palestinos

DO ENVIADO ESPECIAL A GAZA

Operador de bastidores, burocrata eficiente, oficial partidário cinzento e distante da população, gênio da articulação e despreparado para exercer a política de força exigida numa das regiões mais conflagradas do mundo. Esses qualificativos servem, sem contradição entre si, para definir Mahmoud Abbas, o Abu Mazen.
Aos 69 anos, Abbas deverá ser o novo presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina) segundo nove entre dez políticos em Ramallah e Gaza. Ao mesmo tempo, nove entre dez moradores desses lugares dizem que não gostariam de votar no novo chefe da política palestina porque ele seria fraco demais para enfrentar Israel.
Até o fim da semana, tudo indicava que Abu Mazen iria suceder Iasser Arafat ao se tornar o candidato do Fatah, principal movimento político palestino, à Presidência. Mas alguns líderes do grupo diziam, reservadamente, que não seria surpresa se Abbas renunciasse ao pleito em favor de outra liderança -a dificuldade, a essa altura, é saber quem seria tal nome, capaz de juntar apelo popular e imagem de confiabilidade externa. De um modo ou de outro, Abu Mazen só tem claramente a segunda qualidade.
Mahmoud Abbas nasceu em 1935 em Safad, na Palestina, sob o mandato britânico concedido pela Liga das Nações (a ONU da época). Em 1948, diante do estabelecimento do Estado judeu, sua família mudou-se para a Síria.
O jovem Abbas trabalhava como professor primário e estudava direito na Universidade de Damasco. No fim da década de 50, já era um ativo recrutador de membros para o que viria a ser o Fatah (conquista, em árabe).
Co-fundador, em 1958, daquele que viria a ser o misto de partido político com organização militar destinado a dominar a política palestina nos 40 anos seguintes, se tornou colaborador estreito do líder máximo do grupo -o jovem engenheiro Iasser Arafat. Desde então era considerado mais intelectualizado do que a média das lideranças, fazendo mais o tipo operador de bastidores.
Nessa condição, foi enviado a Moscou para fazer seu doutorado. A tese resultou no livro "O Outro Lado: a Relação Secreta entre Nazismo e Sionismo", cuja publicação e comentários posteriores lhe renderiam a acusação de negador do Holocausto.
No livro, ele relativiza o número final de judeus mortos pelo nazismo -6 milhões, pela historiografia oficial. Anos depois, em 2003, ele concedeu uma entrevista dizendo que apenas abordara a discussão sobre o assunto.
De um modo ou de outro, a acusação colou em Israel. Dezenas de sites denunciam Abbas como um moderado apenas de fachada.
As acusações não o impediram de se tornar uma das principais pontes que levaram a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) a negociar com Israel.
Seus contatos no mundo árabe ajudaram a financiar a OLP nos anos 70 e 80. Inclusive levaram a acusação de estar por trás do financiamento da operação do grupo terrorista palestino Setembro Negro que acabou com a morte de atletas israelenses na Olimpíada de 1972. Ele sempre negou.
Seguindo Arafat nos exílios consecutivos da chefia da OLP (Jordânia, Líbano e Tunísia), em 1980 Abbas passou a chefiar a área externa do grupo. Em 1984, acumulou a área interna da OLP.
Mas o salto viria em 1993. Enquanto patinavam negociações oficiais, Abbas estava na frente do time negociador das conversas secretas de Oslo.
As pontes de Oslo levaram à criação da ANP em 1994, e deram a Arafat um Prêmio Nobel da Paz -dividido com os israelenses Yitzhak Rabin e Shimon Peres. No famoso anúncio da paz na Casa Branca, sob os auspícios de um sorridente Bill Clinton, Abbas estava presente de forma discreta.
O acordo gerou várias inimizades a seus criadores -e Abu Mazen não escapou. Por não tocar em questões como a colocação de Jerusalém como capital palestina e o direito dos refugiados das guerras com Israel de voltar às suas terras, levou a pecha de colaboracionista entre as bases mais empobrecidas e líderes rivais.
Mas Oslo provou-se um sucesso imediato para a imagem da OLP, amainando a pressão interna. No médio prazo, contudo, virou um fracasso.
Em 1995, Abu Mazen tentou sua principal cartada, a negociação com o político trabalhista israelense Yossi Beilin de um ambicioso protocolo para um "acordo final entre Israel e a OLP". Entre outras coisas, Israel voltaria às suas fronteiras pré-Guerra dos Seis Dias (1967), Jerusalém seria partilhada, a Palestina seria desmilitarizada e o direito de retorno palestino, relativizado com o pagamento de compensações.
O acordo soou como traição nas ruas. Foi abortado, de todo modo, pelo assassinato de Rabin em 1995 e pela confusão politica subseqüente em Israel -que levou ao governo direitista de Binyamin Netanyahu em 1996, numa estrada que chega ao ultradireitista Ariel Sharon hoje.
O fracasso não demoveu Abbas de voltar aos territórios em 1995, sempre operando de forma discreta. Elegeu-se deputado em 1996. Acabou assumindo a chefia do Comitê Central da OLP e da Fatah, virando o número dois de Arafat, sem nunca, contudo, ter sido nomeado sucessor.
Do ponto de vista pessoal, é reservado e de modos regrados. Como definiu um amigo, ele é o "perfeito burocrata", mas pouco afeito às multidões que tanto agradavam Arafat.
Em 2001, dois choques pessoais. Primeiro, a retirada de um tumor maligno na próstata, sobre o qual há um véu de silêncio. E a morte de seu filho Mazen, aos 42 anos por problemas cardíacos. Abbas tem ainda mulher e outro filho.
Em março de 2003, a pressão americana e israelense para que Arafat desse conta do crescente terrorismo e reformasse a ANP levou Abu Mazen a virar primeiro-ministro. Acabou enfrentando a falta de cooperação de Arafat e deixou o cargo em setembro.
Abu Mazen parecia enterrado politicamente, mas a morte de Arafat recolocou-o no centro das atenções. Publicamente, todos os principais líderes palestinos, até agora, apóiam sua candidatura.
"Ele é nosso irmão mais velho, que nos une", disse à Folha o secretário de Relações Internacionais da Fatah, Abbas Zaki.
Para Israel e os EUA, como já é um velho conhecido, Abbas é o nome ideal no momento para suceder Arafat. Talvez até mais do que a faceta anódina, esse seja o seu maior problema junto ao eleitorado -resta então saber se haverá alguma surpresa nas 4.000 urnas planejadas para serem abertas em 9 de janeiro. (IG)


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