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ORIENTE MÉDIO
Sem apelo popular, mas com apoio internacional, Abu Mazen deve ser eleito o novo presidente da ANP
Abu Mazen domina bastidores palestinos
DO ENVIADO ESPECIAL A GAZA
Operador de bastidores, burocrata eficiente, oficial partidário
cinzento e distante da população,
gênio da articulação e despreparado para exercer a política de força exigida numa das regiões mais
conflagradas do mundo. Esses
qualificativos servem, sem contradição entre si, para definir
Mahmoud Abbas, o Abu Mazen.
Aos 69 anos, Abbas deverá ser o
novo presidente da ANP (Autoridade Nacional Palestina) segundo
nove entre dez políticos em Ramallah e Gaza. Ao mesmo tempo,
nove entre dez moradores desses
lugares dizem que não gostariam
de votar no novo chefe da política
palestina porque ele seria fraco
demais para enfrentar Israel.
Até o fim da semana, tudo indicava que Abu Mazen iria suceder
Iasser Arafat ao se tornar o candidato do Fatah, principal movimento político palestino, à Presidência. Mas alguns líderes do grupo diziam, reservadamente, que
não seria surpresa se Abbas renunciasse ao pleito em favor de
outra liderança -a dificuldade, a
essa altura, é saber quem seria tal
nome, capaz de juntar apelo popular e imagem de confiabilidade
externa. De um modo ou de outro, Abu Mazen só tem claramente a segunda qualidade.
Mahmoud Abbas nasceu em
1935 em Safad, na Palestina, sob o
mandato britânico concedido pela Liga das Nações (a ONU da
época). Em 1948, diante do estabelecimento do Estado judeu, sua
família mudou-se para a Síria.
O jovem Abbas trabalhava como professor primário e estudava
direito na Universidade de Damasco. No fim da década de 50, já
era um ativo recrutador de membros para o que viria a ser o Fatah
(conquista, em árabe).
Co-fundador, em 1958, daquele
que viria a ser o misto de partido
político com organização militar
destinado a dominar a política palestina nos 40 anos seguintes, se
tornou colaborador estreito do líder máximo do grupo -o jovem
engenheiro Iasser Arafat. Desde
então era considerado mais intelectualizado do que a média das lideranças, fazendo mais o tipo
operador de bastidores.
Nessa condição, foi enviado a
Moscou para fazer seu doutorado. A tese resultou no livro "O
Outro Lado: a Relação Secreta entre Nazismo e Sionismo", cuja publicação e comentários posteriores lhe renderiam a acusação de
negador do Holocausto.
No livro, ele relativiza o número
final de judeus mortos pelo nazismo -6 milhões, pela historiografia oficial. Anos depois, em 2003,
ele concedeu uma entrevista dizendo que apenas abordara a discussão sobre o assunto.
De um modo ou de outro, a acusação colou em Israel. Dezenas de
sites denunciam Abbas como um
moderado apenas de fachada.
As acusações não o impediram
de se tornar uma das principais
pontes que levaram a OLP (Organização para a Libertação da Palestina) a negociar com Israel.
Seus contatos no mundo árabe
ajudaram a financiar a OLP nos
anos 70 e 80. Inclusive levaram a
acusação de estar por trás do financiamento da operação do grupo terrorista palestino Setembro
Negro que acabou com a morte
de atletas israelenses na Olimpíada de 1972. Ele sempre negou.
Seguindo Arafat nos exílios
consecutivos da chefia da OLP
(Jordânia, Líbano e Tunísia), em
1980 Abbas passou a chefiar a área
externa do grupo. Em 1984, acumulou a área interna da OLP.
Mas o salto viria em 1993. Enquanto patinavam negociações
oficiais, Abbas estava na frente do
time negociador das conversas secretas de Oslo.
As pontes de Oslo levaram à
criação da ANP em 1994, e deram
a Arafat um Prêmio Nobel da Paz
-dividido com os israelenses
Yitzhak Rabin e Shimon Peres.
No famoso anúncio da paz na Casa Branca, sob os auspícios de um
sorridente Bill Clinton, Abbas estava presente de forma discreta.
O acordo gerou várias inimizades a seus criadores -e Abu Mazen não escapou. Por não tocar
em questões como a colocação de
Jerusalém como capital palestina
e o direito dos refugiados das
guerras com Israel de voltar às
suas terras, levou a pecha de colaboracionista entre as bases mais
empobrecidas e líderes rivais.
Mas Oslo provou-se um sucesso
imediato para a imagem da OLP,
amainando a pressão interna. No
médio prazo, contudo, virou um
fracasso.
Em 1995, Abu Mazen tentou sua
principal cartada, a negociação
com o político trabalhista israelense Yossi Beilin de um ambicioso protocolo para um "acordo final entre Israel e a OLP". Entre
outras coisas, Israel voltaria às
suas fronteiras pré-Guerra dos
Seis Dias (1967), Jerusalém seria
partilhada, a Palestina seria desmilitarizada e o direito de retorno
palestino, relativizado com o pagamento de compensações.
O acordo soou como traição nas
ruas. Foi abortado, de todo modo,
pelo assassinato de Rabin em 1995
e pela confusão politica subseqüente em Israel -que levou ao
governo direitista de Binyamin
Netanyahu em 1996, numa estrada que chega ao ultradireitista
Ariel Sharon hoje.
O fracasso não demoveu Abbas
de voltar aos territórios em 1995,
sempre operando de forma discreta. Elegeu-se deputado em
1996. Acabou assumindo a chefia
do Comitê Central da OLP e da
Fatah, virando o número dois de
Arafat, sem nunca, contudo, ter
sido nomeado sucessor.
Do ponto de vista pessoal, é reservado e de modos regrados. Como definiu um amigo, ele é o
"perfeito burocrata", mas pouco
afeito às multidões que tanto
agradavam Arafat.
Em 2001, dois choques pessoais.
Primeiro, a retirada de um tumor
maligno na próstata, sobre o qual
há um véu de silêncio. E a morte
de seu filho Mazen, aos 42 anos
por problemas cardíacos. Abbas
tem ainda mulher e outro filho.
Em março de 2003, a pressão
americana e israelense para que
Arafat desse conta do crescente
terrorismo e reformasse a ANP levou Abu Mazen a virar primeiro-ministro. Acabou enfrentando a
falta de cooperação de Arafat e
deixou o cargo em setembro.
Abu Mazen parecia enterrado
politicamente, mas a morte de
Arafat recolocou-o no centro das
atenções. Publicamente, todos os
principais líderes palestinos, até
agora, apóiam sua candidatura.
"Ele é nosso irmão mais velho,
que nos une", disse à Folha o secretário de Relações Internacionais da Fatah, Abbas Zaki.
Para Israel e os EUA, como já é
um velho conhecido, Abbas é o
nome ideal no momento para suceder Arafat. Talvez até mais do
que a faceta anódina, esse seja o
seu maior problema junto ao eleitorado -resta então saber se haverá alguma surpresa nas 4.000
urnas planejadas para serem
abertas em 9 de janeiro.
(IG)
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