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ÁSIA
O brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que administra Timor Leste, diz à Folha que espera neutralizar a ação de "agitadores"
ONU prevê turbulência na eleição em Timor
FÁBIO ZANINI
EM DILI
O brasileiro Sérgio Vieira de
Mello, 53, administrador da ONU
em Timor Leste, admite que poderá haver "turbulências" durante as primeiras eleições democráticas no território, em 30 de agosto, mas diz que os problemas serão controlados.
"Que vai haver turbulência aqui
e acolá não cabe dúvida. Mas, no
geral, teremos condição de dar segurança à população", disse em
entrevista à Folha em seu escritório na sede da Untaet (sigla em inglês para Administração Provisória das Nações Unidas para o Timor Leste), no centro de Dili, capital do futuro país.
Vieira de Mello chefia um governo transitório sob responsabilidade da ONU e tem a responsabilidade de organizar a votação,
na qual será eleita a Assembléia
Constituinte de Timor Leste, primeiro passo para consolidar a independência da região.
Timor Leste foi uma colônia
portuguesa até 1974 e, no ano seguinte, foi invadida pela Indonésia e anexada em 1976.
Com a crise econômica da Ásia
em 1997 e a consequente queda de
Suharto, ditador do país durante
32 anos, em 98, a Indonésia ficou
vulnerável e, diante dos apelos da
comunidade internacional, acabou aceitando a realização de um
referendo sobre a independência,
organizado pela ONU em 1999.
A opção pela independência
venceu, com 78,5% dos votos,
dando início a um período de violência em que milícias contrárias
à independência atacaram a população de Timor Leste e destruíram boa parte da infra-estrutura e
das cidades do território.
Diante do acirramento dos conflitos, a comunidade internacional pressionou a Indonésia a se
retirar do território e a passar seu
controle para a ONU e uma força
de paz liderada pela Austrália.
Timor Leste deve se tornar independente no final de 2001, mas,
antes, precisa redigir uma Constituição. Com esse objetivo, uma
Assembléia Constituinte será eleita em agosto.
À Folha, Vieira de Mello garante que a ONU não vai "abandonar
Timor Leste" e demonstra preocupação com a insuficiência de
doações internacionais. Segundo
ele, pode ocorrer uma desestabilização política se os fundos necessários durante o período de transição e logo após a independência
não forem suficientes.
O representante da ONU também relativizou o impacto de uma
crise política surgida no final de
março, quando o principal líder
da luta pela independência de Timor Leste, Xanana Gusmão, renunciou à presidência do Conselho Nacional Timorense (CNT).
O CNT é uma espécie de Parlamento provisório integrado por
36 membros de entidades civis,
empresas, partidos políticos e representantes dos 13 distritos que
formam Timor Leste.
Gusmão, visto de forma quase
unânime como o provável primeiro presidente de Timor Leste,
renunciou em 28 de março alegando que disputas políticas internas estariam prejudicando o
caminho para a independência.
Para Vieira de Mello, "isso mostra que está se iniciando uma briga política, um debate partidário,
o que é saudável".
Após a renúncia de Xanana, o
empresário Manuel Carrascalao,
integrante de uma das famílias
mais tradicionais de Timor Leste
e considerado um moderado durante a luta pela independência,
foi eleito presidente do CNT.
Leia abaixo trechos da entrevista de Sérgio Vieira de Mello.
Folha - A renúncia de Xanana
Gusmão da presidência do Conselho Nacional pode atrapalhar a formulação da Constituição de Timor
Leste?
Sérgio Vieira de Mello - Não acredito. Xanana já tinha manifestado
a intenção de sair da presidência
do órgão a mim no ano passado,
mas eu pedi a ele que ficasse pelo
menos até a instauração das regras para o sistema partidário timorense, o que aconteceu em
março. Ele disse que não conseguia conciliar as funções da presidência com a necessidade de dialogar com a população timorense
e explicar o que mudará a partir
da independência, algo que também é importante de ser feito. O
fato é que Xanana foi importantíssimo até agora na presidência
do conselho, mas, com regras já
mais ou menos definidas, pode
sair do cargo sem criar grandes
problemas.
Folha - Mas ele saiu após ser derrotado em uma votação sobre o
modelo de criação da Constituição,
o que mostra que não há consenso
sobre o tema.
Vieira de Mello - É verdade. Mas
isso mostra que está se iniciando
uma briga politica, um debate
partidário, o que é extremamente
saudável. Timor está se tornando
uma democracia partidária.
Folha - Não é um pouco cedo para
isso? Não seria melhor haver consenso e união nacional quando a
Constituição está sendo escrita?
Vieira de Mello - Esse período já
passou. Estamos em outra fase.
Folha - O sr. pode garantir que o
processo de eleição da Assembléia
Constituinte vai ser mais seguro e
organizado do que o do referendo
sobre a independência, em 1999?
Vieira de Mello - Não tenho bola
de cristal e milagre não posso fazer. Vamos tentar neutralizar a
minoria de agitadores que ainda
atua no território. Que vai haver
turbulência aqui e acolá não cabe
dúvida. Mas, no geral, temos uma
força policial capaz de dar a segurança necessária aos eleitores.
Folha - Se as turbulências se espalharem, a eleição será adiada?
Vieira de Mello - A eleição vai
acontecer conforme planejado. Se
for adiada, será por um problema
técnico, como uma enchente, por
exemplo, que impeça eleitores de
se registrar no prazo. Mas não será por falta de segurança.
Folha - O sr. admitiu que está tendo dificuldade para formar um serviço civil qualificado de timorenses. O Exército e a polícia timorenses ainda são embrionários. Timor
Leste não pode ficar inviabilizado
quando a ONU sair?
Vieira de Mello - A ONU aprendeu que não pode abandonar um
território à sua própria sorte, de
repente. Há uma mudança de visão, no caso timorense. No dia da
independência, quando eu entregar a chave desta sala ao novo presidente, eu irei embora, mas a
ONU fica. O serviço civil e de segurança será reduzido aos poucos, conforme as instituições timorenses forem se desenvolvendo. Nossa presença aqui não termina na independência. Não vamos sair abruptamente.
Folha - Quanto tempo mais a ONU
deve ficar?
Vieira de Mello - Isso depende de
uma decisão de Kofi Annan (secretário-geral da ONU). Mas eu
estimo que de dois a quatro anos
após a independência.
Folha - O representante do Banco
Mundial para Timor Leste, Klaus
Rohland, disse recentemente que o
novo governo precisará ser austero
nos gastos e não poderá se endividar. Como conciliar isso com a necessidade de investimentos sociais
e de infra-estrutura do território?
Vieira de Mello - Timor é rico em
gás e petróleo e tem potencial turístico, mas calculamos que tais
receitas só chegarão aos cofres em
2004 ou 2005. Até lá, há um intervalo, em que vamos basicamente
depender de ajuda e investimento
internacional, que nem sempre
são suficientes. Hoje, em razão da
conjuntura econômica internacional, não há clima favorável para investimento em Timor Leste.
Temos recebido US$ 20 milhões
por ano, para investimento em
educação, saúde e fortalecimento
comunitário, entre outros projetos. Precisamos de mais.
Folha - Isso ameaça a nascente
democracia timorense?
Vieira de Mello - Haverá riscos,
sem dúvida, até o momento em
que a situação econômica se estabilizar. Principalmente de florescerem posições do tipo "a administração indonésia era muito
melhor". As pessoas, naturalmente, querem melhorias, querem
emprego. Nossa tarefa é explicar
que é preciso um certo tempo para que a democracia comece a
atender a tais desejos.
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