São Paulo, domingo, 22 de abril de 2001

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ÁSIA

O brasileiro Sérgio Vieira de Mello, que administra Timor Leste, diz à Folha que espera neutralizar a ação de "agitadores"

ONU prevê turbulência na eleição em Timor

FÁBIO ZANINI
EM DILI

O brasileiro Sérgio Vieira de Mello, 53, administrador da ONU em Timor Leste, admite que poderá haver "turbulências" durante as primeiras eleições democráticas no território, em 30 de agosto, mas diz que os problemas serão controlados.
"Que vai haver turbulência aqui e acolá não cabe dúvida. Mas, no geral, teremos condição de dar segurança à população", disse em entrevista à Folha em seu escritório na sede da Untaet (sigla em inglês para Administração Provisória das Nações Unidas para o Timor Leste), no centro de Dili, capital do futuro país.
Vieira de Mello chefia um governo transitório sob responsabilidade da ONU e tem a responsabilidade de organizar a votação, na qual será eleita a Assembléia Constituinte de Timor Leste, primeiro passo para consolidar a independência da região.
Timor Leste foi uma colônia portuguesa até 1974 e, no ano seguinte, foi invadida pela Indonésia e anexada em 1976.
Com a crise econômica da Ásia em 1997 e a consequente queda de Suharto, ditador do país durante 32 anos, em 98, a Indonésia ficou vulnerável e, diante dos apelos da comunidade internacional, acabou aceitando a realização de um referendo sobre a independência, organizado pela ONU em 1999.
A opção pela independência venceu, com 78,5% dos votos, dando início a um período de violência em que milícias contrárias à independência atacaram a população de Timor Leste e destruíram boa parte da infra-estrutura e das cidades do território.
Diante do acirramento dos conflitos, a comunidade internacional pressionou a Indonésia a se retirar do território e a passar seu controle para a ONU e uma força de paz liderada pela Austrália.
Timor Leste deve se tornar independente no final de 2001, mas, antes, precisa redigir uma Constituição. Com esse objetivo, uma Assembléia Constituinte será eleita em agosto.
À Folha, Vieira de Mello garante que a ONU não vai "abandonar Timor Leste" e demonstra preocupação com a insuficiência de doações internacionais. Segundo ele, pode ocorrer uma desestabilização política se os fundos necessários durante o período de transição e logo após a independência não forem suficientes.
O representante da ONU também relativizou o impacto de uma crise política surgida no final de março, quando o principal líder da luta pela independência de Timor Leste, Xanana Gusmão, renunciou à presidência do Conselho Nacional Timorense (CNT).
O CNT é uma espécie de Parlamento provisório integrado por 36 membros de entidades civis, empresas, partidos políticos e representantes dos 13 distritos que formam Timor Leste.
Gusmão, visto de forma quase unânime como o provável primeiro presidente de Timor Leste, renunciou em 28 de março alegando que disputas políticas internas estariam prejudicando o caminho para a independência.
Para Vieira de Mello, "isso mostra que está se iniciando uma briga política, um debate partidário, o que é saudável".
Após a renúncia de Xanana, o empresário Manuel Carrascalao, integrante de uma das famílias mais tradicionais de Timor Leste e considerado um moderado durante a luta pela independência, foi eleito presidente do CNT.
Leia abaixo trechos da entrevista de Sérgio Vieira de Mello.

Folha - A renúncia de Xanana Gusmão da presidência do Conselho Nacional pode atrapalhar a formulação da Constituição de Timor Leste?
Sérgio Vieira de Mello -
Não acredito. Xanana já tinha manifestado a intenção de sair da presidência do órgão a mim no ano passado, mas eu pedi a ele que ficasse pelo menos até a instauração das regras para o sistema partidário timorense, o que aconteceu em março. Ele disse que não conseguia conciliar as funções da presidência com a necessidade de dialogar com a população timorense e explicar o que mudará a partir da independência, algo que também é importante de ser feito. O fato é que Xanana foi importantíssimo até agora na presidência do conselho, mas, com regras já mais ou menos definidas, pode sair do cargo sem criar grandes problemas.

Folha - Mas ele saiu após ser derrotado em uma votação sobre o modelo de criação da Constituição, o que mostra que não há consenso sobre o tema.
Vieira de Mello -
É verdade. Mas isso mostra que está se iniciando uma briga politica, um debate partidário, o que é extremamente saudável. Timor está se tornando uma democracia partidária.

Folha - Não é um pouco cedo para isso? Não seria melhor haver consenso e união nacional quando a Constituição está sendo escrita?
Vieira de Mello -
Esse período já passou. Estamos em outra fase.

Folha - O sr. pode garantir que o processo de eleição da Assembléia Constituinte vai ser mais seguro e organizado do que o do referendo sobre a independência, em 1999?
Vieira de Mello -
Não tenho bola de cristal e milagre não posso fazer. Vamos tentar neutralizar a minoria de agitadores que ainda atua no território. Que vai haver turbulência aqui e acolá não cabe dúvida. Mas, no geral, temos uma força policial capaz de dar a segurança necessária aos eleitores.

Folha - Se as turbulências se espalharem, a eleição será adiada?
Vieira de Mello -
A eleição vai acontecer conforme planejado. Se for adiada, será por um problema técnico, como uma enchente, por exemplo, que impeça eleitores de se registrar no prazo. Mas não será por falta de segurança.

Folha - O sr. admitiu que está tendo dificuldade para formar um serviço civil qualificado de timorenses. O Exército e a polícia timorenses ainda são embrionários. Timor Leste não pode ficar inviabilizado quando a ONU sair?
Vieira de Mello -
A ONU aprendeu que não pode abandonar um território à sua própria sorte, de repente. Há uma mudança de visão, no caso timorense. No dia da independência, quando eu entregar a chave desta sala ao novo presidente, eu irei embora, mas a ONU fica. O serviço civil e de segurança será reduzido aos poucos, conforme as instituições timorenses forem se desenvolvendo. Nossa presença aqui não termina na independência. Não vamos sair abruptamente.

Folha - Quanto tempo mais a ONU deve ficar?
Vieira de Mello -
Isso depende de uma decisão de Kofi Annan (secretário-geral da ONU). Mas eu estimo que de dois a quatro anos após a independência.

Folha - O representante do Banco Mundial para Timor Leste, Klaus Rohland, disse recentemente que o novo governo precisará ser austero nos gastos e não poderá se endividar. Como conciliar isso com a necessidade de investimentos sociais e de infra-estrutura do território?
Vieira de Mello -
Timor é rico em gás e petróleo e tem potencial turístico, mas calculamos que tais receitas só chegarão aos cofres em 2004 ou 2005. Até lá, há um intervalo, em que vamos basicamente depender de ajuda e investimento internacional, que nem sempre são suficientes. Hoje, em razão da conjuntura econômica internacional, não há clima favorável para investimento em Timor Leste. Temos recebido US$ 20 milhões por ano, para investimento em educação, saúde e fortalecimento comunitário, entre outros projetos. Precisamos de mais.

Folha - Isso ameaça a nascente democracia timorense?
Vieira de Mello -
Haverá riscos, sem dúvida, até o momento em que a situação econômica se estabilizar. Principalmente de florescerem posições do tipo "a administração indonésia era muito melhor". As pessoas, naturalmente, querem melhorias, querem emprego. Nossa tarefa é explicar que é preciso um certo tempo para que a democracia comece a atender a tais desejos.



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