São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2004

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Extremismo islâmico fomentado pelo regime agora o ameaça

DA REDAÇÃO

O atentado de ontem em Riad reforça o temor de que a família real saudita não consiga neutralizar o terrorismo islâmico, aliás estimulado indiretamente pelo sistema teocrático que a legitima no poder há 72 anos.
Outros atentados mais sangrentos, em 12 de maio e 9 de novembro do ano passado, já haviam feito 52 mortos. A prisão de centenas de verdadeiros ou falsos suspeitos não conseguiu desmantelar as redes de militantes radicais que encontram estímulo e amparo em dezenas de mesquitas.
A Arábia Saudita surgiu em 1932, com a ascensão ao trono do rei Abd al Azis. Seus descendentes, ainda reinantes, "guardiães" das cidades santas de Meca e Medina, fundamentaram o poder temporal no islamismo wahabita, uma ramificação do sunismo que faz uma leitura ortodoxa dos textos sagrados e rejeita como malévola toda realidade alheia ao islã.
Foi nessa cultura que cresceu Osama bin Laden e nasceu sua organização, a Al Qaeda, que vê nos governantes sauditas uma das fontes privilegiadas do mal em razão de seus vínculos econômicos com o Ocidente e de suas alianças com os Estados Unidos. Além disso, 15 dos 19 responsáveis diretos pelos atentados de 11 de setembro de 2001 eram sauditas.
Tal evidência complicou as relações entre os EUA e aquele país desértico que ocupa grande parte da península Arábica.
As pressões de Washington fizeram com que o príncipe Abdullah, detentor do poder real, desativasse associações supostamente filantrópicas que, em verdade, abasteciam o terrorismo de fundos. E também reforçasse o dispositivo policial interno para tentar neutralizar os radicais.
Ainda na última segunda-feira, em reunião com seus ministros, Abdullah disse que o terrorismo seria enfrentado e que todo cidadão deveria se considerar a partir de agora como integrante das forças de segurança.
Fecha-se com isso, e mais uma vez, um paradoxo: o trono procura reprimir grupos derivados de uma forma de islamismo no qual está assentada sua histórica autoridade teocrática.
O wahabismo implica a não-aceitação de uma rede laica de ensino como a existente em muitos outros países do mundo muçulmano, beneficiados pela distinção entre poder religioso e poder temporal. Os livros didáticos só no ano passado suprimiram a proibição, fundamentada supostamente em preceitos religiosos, de adolescentes terem contatos com pessoas estrangeiras ou que professassem outra religião.
É também complexa a modernização institucional de um país em que a sociedade civil inexiste, porque não dispõe de entidades para canalizar suas reivindicações -partidos políticos, organizações não-governamentais, grupos de pressão- e na qual 80% dos 24,2 milhões de habitantes identificam-se por suas raízes tribais.
Uma das formas de pressão dos Estados Unidos está justamente em modernizar o reino saudita para impedir que os grupos religiosos internos derrubem a monarquia e desestabilizem o mercado do petróleo e o precário equilíbrio do Oriente Médio.
Os resultados são, por enquanto, muito tímidos. Um conselho com 90 sábios indicados pelo rei dá às decisões do Executivo um perfume tênue de algo colegiado. Eleições municipais foram convocadas para este ano. Mas não serão permitidos partidos para o processo de escolha de vereadores nas 14 câmaras municipais.
Não há liberdade de expressão. Até a internet é controlada por meio de filtros que bloqueiam o acesso a web sites políticos ou que envolvam comportamentos -como o erotismo- contrários à ortodoxia islâmica.
As decisões oficiais, mesmo as aberturistas, são de incrível lentidão. O país está nas mãos de um grupo septuagenário de príncipes incapaz de compreender o que venha a ser uma democracia.
Considera-se um grande avanço a denúncia feita há dias por uma das celebridades da televisão local, que apareceu diante das câmeras com o rosto deformado em razão de uma surra que levou do marido. A denúncia seria impensável até os anos 90, quando as mulheres não tinham sequer o direito à carteira de identidade. Foi algo inusitado. Mas não chega a pesar simbolicamente como fator de modernidade institucional.
A família real pouco ou nada consegue fazer contra os xeques "jihadistas" (partidários da "guerra santa"). Eles detêm um imenso poder. São ferreamente antiamericanos -ficaram felizes quando os EUA esvaziaram suas bases militares, logo após terem fincado pé no Iraque.
E os xeques emitem periódicos anátemas contra intelectuais ou personalidades que defendam reivindicações -como um Judiciário laico- capazes de diminuir o poder da teocracia.


Com o "New York Times" e o "Le Monde"


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