São Paulo, quinta-feira, 22 de abril de 2004

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ANÁLISE

A culpa não é só de Bush

SÉRGIO MALBERGIER
EDITOR DE MUNDO

Árabes estão matando árabes no Iraque e na Arábia Saudita. E a culpa não é do presidente americano, George W. Bush. Ao menos, não é só dele, como prega o extremismo antiamericanista em voga no planeta.
Sim, sua desastrada guerra contra Saddam Hussein liberou forças destrutivas que um dos mais sanguinários ditadores do sanguinário século 20 continha com mão de aço.
E sua incapacidade de planejar um pós-guerra ordeiro e com o imprescindível apoio da comunidade internacional é uma das responsáveis pelo morticínio iraquiano. Mas não é a única nem a preponderante.
A doença mortal que assola o mundo árabe vem de muito antes de Bush chegar à Casa Branca, em janeiro de 2001. Então, como agora, os árabes eram governados por ditaduras que quase nada dão a seus cidadãos. A única via de escape tolerada por esses regimes é o islã.
O islamismo, como outras religiões, aceita várias interpretações. Mas, justamente como fuga da intolerável realidade árabe, um dos ramos que mais florescem nas últimas décadas é o extremista, que prega a violência contra os "infiéis". Assim, governantes árabes canalizam a frustração de seus cidadãos oprimidos contra um "outro" além-fronteiras: preferencialmente os "satãs" Israel e EUA.
Só que o 11 de Setembro e a ocupação do Iraque trouxeram o "grande satã" para dentro do mundo árabe. Regimes e instituições aliadas de Washington, como o governo saudita e a esfarrapada polícia iraquiana, estão na mira extremista. O saudita Osama bin Laden, líder da Al Qaeda, odeia a família real saudita tanto quanto odeia Bush.
E esses fanáticos não se vexam de matar muçulmanos -como visto em abundância ontem e em outras dezenas de ataques, no solo iraquiano, saudita, marroquino, turco, americano, espanhol- apesar de dizerem justamente lutar contra a opressão árabe e muçulmana.
Como mudar essa situação trágica é uma tarefa que seria mais bem realizada pelos próprios árabes, mas seus regimes, mesmo pressionados, se mostram pouco dispostos e muito lentos para estancar o sangue derramado e abrir sólidos canais de mudanças políticas e sociais.
Duas coisas são paradoxalmente certas: Bush fracassou em seu intento de liderar uma guerra mundial contra o terror, mas a saída das tropas estrangeiras do Iraque agora só piora a situação. Um papel maior da ONU no Iraque pode ser um começo.


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