São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997.



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AMÉRICA
O Plano Real acabou

GILBERTO DIMENSTEIN
Executivos americanos estão caçando 200 mil trabalhadores para preencher imediatamente vagas em empresas que desenvolvem tecnologia de ponta -computadores ou softwares, por exemplo. Mas não conseguem.
Um sinal dessa caça é visível nos murais das faculdades, que formam mão-de-obra ligada à informática. Estão povoados com ofertas de emprego, com as mais atrativas.
Você é homossexual? Nada de preconceitos. O seguro médico é estendido ao seu parceiro ou, se for o caso, parceira.
Não gosta de ficar longe do seu cãozinho? Resolvido: a empresa mantém um canil. Até lavagem de roupa é oferecida ou massagem para tirar o estresse durante horário de trabalho.

Por trás dessa movimentação está um dos mais invejados números da atualidade: 4,8. É a taxa de desemprego americana.
Os reflexos aparecem por todos os lados. Em visita desde sábado a Nova York, o presidente Fernando Henrique Cardoso pode fazer o teste. Se andar nas quadras em volta de onde está hospedado, vai observar uma repetição nas vitrines das lojas, bares e restaurantes em Nova York. Discretas placas à procura de empregados.
As placas de "procura-se" são a base para arrogância. Estão reunidos, em Denver, no Colorado, os dirigentes das mais ricas nações do planeta, além da Rússia. O presidente Bill Clinton esfrega na cara dos convidados, principalmente os europeus, desesperados com o desemprego, que deveriam colher, aqui, lições para governar seu país.
É algo parecido com o dono da casa, durante o jantar, ensinar às visitas como educar seus filhos.

Há uma torrente de explicações divergentes para a boa performance da economia americana. Quase ninguém mais duvida, porém, da consequência política de controlar a inflação: o emprego vai para o topo das ansiedades.
O desempenho de um país (assim como de seus governantes) é, então, medido pelo conjunto de ações que geram emprego, principal fonte de bem-estar social.

Por isso, o Plano Real acabou. Veio para derrubar a inflação e foi um extraordinário sucesso.
Impossível deixar de reconhecer que, basicamente por causa de Fernando Henrique Cardoso, saímos do ciclo vicioso do pessimismo, para um estágio de desenvolvimento.
Mas quando se lêem as entrevistas do presidente e de seus ministros econômicos, podemos ver uma nostalgia do Real; lembranças da época em que a população ainda se encantava com os preços baixos.
Indício dessa nostalgia é como se incomodam com as pesquisas revelando queda de popularidade do plano, atingindo a imagem do presidente. Como resposta, preparam milionária campanha para reavivar na memória.

Se a experiência americana vale para alguma coisa, vemos que o jogo do emprego é duro. Não tem mágicas do tipo reunir meia dúzia de talentosos economistas que, com leis e portarias, mudam rapidamente a face do país, como ocorreu com o Real.
O crescimento americano é movido a maciços investimentos em tecnologia das empresas, educação de seus trabalhadores, permanente inovação científica, conquista de mercados externos.
É um sucesso conjunto de um país que conhece seus valores básicos e batalha por eles. Daí, por exemplo, empresários patrocinam tanta pesquisa científica, na suposição de que a liderança é fincada na produção de conhecimento inovador. Ou comunidades se esfolam para melhorar o ensino básico.

Estamos acorrentados pela dificuldade de exportar uma mão-de-obra ignorante, infra-estrutura deteriorada, reformas que rastejam no Congresso.
Temos uma Justiça defasada; prova disso é que condenaram o líder dos sem-terra José Rainha sem provas. E absolvem um assassino da Candelária, no Rio, que era réu confesso.
O governo faria melhor se, ao invés de gastar milhões em publicidade para louvação de um defunto, informasse francamente à população o tamanho do desafio do emprego. Franqueza, no caso, é ter a coragem de dizer que, na questão dos empregos, o governo federal tem mais limites do que possibilidades.

PS - Uma das mais importantes idéias lançadas no Brasil coube a Herbert de Souza, o Betinho. Ele propôs o balanço social das empresas; assim, deixariam transparente quanto investem para valorizar sua comunidade. Consumidor responsável não é aquele que analisa apenas o que a empresa produz. Mas como produz.
Por exemplo: como todos os bancos são meio parecidos na era dos ATMs, o desempate pode ficar em cima de quem dá mais apoio a projetos sociais, melhorando a capacidade de termos uma mão-de-obra educada. Todos saem ganhando.


Gilberto Dimenstein escreve às quartas-feiras e aos domingos
Fax: (001-212) 873-1045
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