São Paulo, domingo, 22 de junho de 1997.



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UM COMUNISTA NO ALTAR
População quer fim de buscas pelos restos do guerrilheiro, comandadas por especialistas cubanos
Escavações são 'sacrilégio' para devotos

do enviado à Bolívia

"Che tem de ficar em Vallegrande. Em seu diário, afirmou que onde caísse queria ser enterrado. Deixem-no em paz."
Ligia Morón, 50, funcionária da Prefeitura de Vallegrande, é o exemplo das "devotas de Che". Solteira e morando com quatro sobrinhas, ela decorou a entrada de sua sala com um retrato enorme do guerrilheiro nascido em Rosario, Argentina.
"Ele é a única presença masculina em minha casa."
Como ela, boa parte da população não quer que se encontrem os restos, já que a família Guevara em Cuba quer levá-los para lá.
"Isso é um sacrilégio. O cadáver dele tem de ficar tranquilo em nosso solo. É assim que ele quer. Se não, ele apareceria", diz a aposentada Margarida Calzatilla.
"Faço todos os dias uma súplica para que fique. Se não, os milagres acabarão", completa.
Para os vallegrandinos, caso encontrados, os restos deveriam ir para o mausoléu que será construído próximo à pista de pouso.
De acordo com os cubanos em busca dos ossos, a idéia de "profanação" é parte do folclore da região. "Isso é crendice popular. Como antropólogo, acho interessante, mas os direitos da família Guevara vêm primeiro", diz o especialista em antropologia forense Héctor Soto.
A busca
Com informações conseguidas em uma entrevista com o capitão Mario Vargas Salinas, um dos homens que detiveram Che, a família Guevara contratou um grupo de especialistas.
Ao chegar a Vallegrande, em dezembro de 1995, começaram as escavações e as previsões de quando se encontrariam os restos do guerrilheiro. O governo boliviano não gostou da condução das buscas e pediu o fim das declarações do grupo à imprensa.
Anteontem, chegaram a Vallegrande autoridades do Ministério de Imigração, vindas de La Paz, para controlar os documentos dos cubanos -o que pode ser entendido como uma forma de pressão.
No dia anterior, depois de meses de estudos, foram retomadas as escavações -afirmam os cubanos que é só para testar os aparelhos.
Eles analisam centímetro a centímetro uma área de 75 metros quadrados, com a ajuda de aparelhagem de geoeletricidade e eletromagnetismo. Antes, declaravam que só voltariam a escavar quando tivessem evidências de marcas de enterro.
"As autoridades falarão sobre os avanços dos trabalhos. Nós não fazemos declarações", afirma Jorge González, chefe da equipe, formada por dois antropólogo, um arqueólogo, uma historiadora e três geofísicos.
"Temos certeza de que, quando encontrarmos os ossos de Guevara, a imprensa saberá depois de três segundos", afirma González.
Acredita-se que pelo menos 15 corpos de guerrilheiros estejam enterrados na pista de pouso e nos subúrbios de Vallegrande.
Corpo queimado
Segundo o general Gari Prado, que comandou a captura de Guevara, o corpo foi incinerado em Vallegrande. Ele teria ouvido isso dos militares a cargo do cadáver.
"As buscas tentam compensar a derrota política e militar da guerrilha. Os restos não existem e nunca serão encontrados", diz Prado, que hoje atua na política.
Outras versões afirmam que o corpo foi levado de helicóptero e jogado no meio da selva ou transportado para outro país.
Só se sabe que, nas primeiras horas de 11 de outubro de 1967, os militares deram cabo do corpo -antes que Roberto Guevara, irmão do guerrilheiro, chegasse à cidade. (RODRIGO BERTOLOTTO)


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