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São Paulo, domingo, 22 de junho de 2003

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"História será esquecida", diz analista

DA REPORTAGEM LOCAL

John P. White foi subsecretário da Defesa na administração Bill Clinton (1993-2001) e é hoje professor na Universidade Harvard. Em entrevista concedida à Folha por telefone, ele qualifica o episódio Jessica Lynch de "um show paralelo", explorado pela mídia, mas sem que se conheça o grau de envolvimento do Pentágono em sua produção.
"Não creio ser possível afirmar que havia uma tática deliberada para transformar essa jovem num grande acontecimento emocional para o país", afirmou White, para quem "o governo não tinha absoluto controle sobre aquilo que a mídia noticiava". Leia a seguir a sua entrevista. (JBN)

Folha - Como explicar a diferença entre a versão inicial do resgate de Jessica Lynch, mais heróica e épica, e a versão atual, mais comezinha?
John White -
Não saberia dizer o que aconteceu. Mas, de qualquer modo, em termos de guerra, o episódio foi secundário, lateral. Foi um espetáculo de show paralelo. Não tenho nada particularmente contra os tablóides de circulação popular ou contra as emissoras de TV que se pautam pelos mesmos critérios.

Folha - Mas não foi útil para o Pentágono ter em mãos uma história emocionalmente tão forte?
White -
Creio que sim. Pode-se dizer que o sentimento patriótico precisava ser alimentado. As pessoas de um modo geral se sentem atraídas por esse gênero de história. Mas não creio ser possível afirmar que havia uma tática deliberada para transformar essa jovem num grande acontecimento emocional para o país.

Folha - Independentemente do governo, a mídia também se deliciou. Jessica Lynch não simbolizava o patriotismo do noticiário?
White -
Com certeza. As guerras sempre produzem acontecimentos de interesse humano, que procuram apresentar os soldados de uma forma favorável.

Folha - Até que ponto o episódio não distraiu a opinião pública no momento em que ela poderia se frustrar pela não descoberta das armas de destruição em massa?
White -
Não creio que seja o caso. O governo não tinha absoluto controle sobre aquilo que a mídia noticiava. A mídia foi frequentemente, durante a guerra, mais realista que o rei. De qualquer forma, as supostas armas de destruição em massa, elas sim, constituem em si um imenso episódio dentro da guerra. A imprensa aborda o assunto diariamente, enquanto a história de Jessica Lynch tende a ser progressivamente esquecida.

Folha - O fato de não acharem essas armas acabará machucando a imagem da administração Bush?
White -
A população nunca tomou essas armas como um problema fundamental. Saddam era bem mais importante, um ditador assassino.
Há por aqui o sentimento de que o mundo se tornou melhor depois da deposição dele. Mas o problema é outro. Nas próximas oportunidades em que o governo disser que tem informações de inteligência sobre o Irã ou a Coréia do Norte, existirão dúvidas sobre os autores dessas informações, já que elas partem dos mesmos organismos que falharam com relação às armas de destruição em massa.


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