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BÁLCÃS
Figura nostálgica de reis e rainhas mexe com imaginário da população; crescimento de neofascismo vem na esteira
Monarquias renascem em vácuo pós-comunista
RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
As antigas casas reais dos Bálcãs
estão ganhando prestígio em seus
países. Depois de décadas de regimes comunistas fechados e da recente e tumultuada entrada na democracia representativa, a nostalgia em relação a uma antiga "época de ouro", pré-Segunda Guerra
Mundial, parece mexer com o
imaginário de búlgaros, iugoslavos, romenos e albaneses.
Bulgária e Iugoslávia são os
exemplos mais evidentes. Simeon
Borisov Saxe-Coburgotski, 64,
que chegou a ser rei da Bulgária
quando menino, liderou uma
coalizão vencedora das eleições
de 17 de junho último. Logo depois, foi indicado como premiê.
Aleksander Karadjeordjevic, 56,
(pronuncia-se "caragueorguevitch"), filho do último rei da Iugoslávia, Petar 2º, recebeu de volta, terça-feira passada, o palácio
de sua família em Belgrado.
"Quero ficar mais próximo de
meu povo. Estou muito feliz", disse o príncipe à Folha. "Defendo a
monarquia parlamentar, pois ela
traz estabilidade política. O rei fica acima das disputas políticas."
Especialistas corroboram a tese
de nostalgia monárquica.
"As populações desses países se
mostram desiludidas. Acabou o
regime comunista, do qual elas
estavam cansadas, e as promessas
de prosperidade do capitalismo e
da democracia não se confirmaram. O resultado? Uma nostalgia
dos tempos de "estabilidade" monárquica", afirma Lee Sigelman,
cientista político da Universidade
George Washington (EUA).
"O capitalismo não trouxe pujança econômica. Foi ingênuo esperar isso de repente. Então os velhos políticos e partidos de origem comunista ressurgiram, mas
meteram os pés pelas mãos. Aí algumas pessoas começaram a pensar num rei, numa figura acima
dessas coisas mundanas, zelando
pelo bem do povo", diz Boris Stepanovic, doutor em história pela
Universidade de Belgrado.
Histórias contraditórias
A figura de soberanos magnânimos e de belas princesas de contos de fadas pode mexer muito
com o imaginário dos balcânicos,
mas, mesmo vestindo o manto de
democratas e alardeando que têm
como exemplos as estáveis monarquias constitucionais da Europa Ocidental, alguns dos pretendentes aos antigos tronos não oferecem históricos pessoais compatíveis com a propaganda.
Miguel Hohenzollern-Sigmaringen, 79, ex-rei da Romênia, reclama das instituições de seu país:
"O que pode ser visto [na Romênia" não é encorajador. Os partidos aparecem como cogumelos.
Não é uma democracia, é o caos.
O Parlamento não consegue
aprovar as leis, a Justiça é incerta.
Isso é, para mim, a prova de que
permanece a mentalidade soviética. Precisamos limpar a casa".
O discurso forte faz lembrar que
Miguel foi rei, de 1940 a 1947, sob
uma Constituição ao estilo fascista da época. E também foi aliado
dos nazistas, até trocar bruscamente de lado, em 1944.
As sociedades monárquicas que
apóiam a volta da realeza adotam
tradicionais nomes fascistas, como a "Coroa de Aço", e pregam o
retorno, nem que pela força, de
territórios que já foram romenos
e hoje fazem parte de Moldova e
da Ucrânia. Talvez por causa desse apoio belicoso Miguel receba
tão pouco respaldo internacional.
A Albânia é o país em que a
idéia da monarquia menos prospera. A volta do rei Leka 1º, refugiado na África do Sul, foi apoiada
por alguns dos principais clãs albaneses nos anos 90. O então presidente, Sali Berisha, chegou a receber Leka em 1997 e lhe prometeu convocar um plebiscito.
Mas, no fim daquele ano, a quebra de fundos financeiros respaldados pelo Estado -baseados no
sistema de pirâmides, que, informalmente, já esteve em moda
aqui no Brasil- levou o país à
beira do caos.
Como não conseguiu levar
adiante o plebiscito, Leka planejou um golpe, que foi prematuramente frustrado em 1999, quando
as autoridade sul-africanas o
prenderam por manter um verdadeiro arsenal em casa.
Neofascismo
"Quando as coisas não andam
bem na economia, procura-se um
bode expiatório e se tenta afirmar
o orgulho da comunidade, para
contrapor o baixo-astral da recessão e do desemprego", diz o jornalista Nursulan Surayev, da "Far
Eastern Economic Review".
É bom lembrar que as monarquias balcânicas -com exceção
da albanesa- surgiram no século
19, durante o desmantelamento
do Império Otomano. Elas usaram e abusaram do discurso ultranacionalista. Por isso os estudiosos temem o fortalecimento
do ideário de afirmação étnica.
"Quero servir ao povo romeno", diz o pretendente romeno,
Miguel. Acontece que a maioria
dos monarquistas romenos não
considera os ciganos (10% da população total de 22,5 milhões da
Romênia) e os romenos de origem étnica húngara (7% da população) como parte desse povo.
Herdeiro Bragança
Há uma curiosidade na dinastia
iugoslava: um descendente de
dom Pedro 1º, do Brasil, poderia
subir ao trono, pois o primeiro na
sucessão de Aleksander seria Petar, 21. Ele e os gêmeos Filip e
Aleksander, 19, são filhos do príncipe herdeiro e de sua primeira
mulher, Maria da Glória de Orleans e Bragança.
"Os meninos adoram o Brasil e
falam um pouco de português, assim como eu. Adoramos Petrópolis, onde já estivemos na casa de
meu ex-sogro, dom Pedro Gastão", diz Karadjeordjevic.
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