São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001

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BÁLCÃS
Figura nostálgica de reis e rainhas mexe com imaginário da população; crescimento de neofascismo vem na esteira

Monarquias renascem em vácuo pós-comunista

RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS

As antigas casas reais dos Bálcãs estão ganhando prestígio em seus países. Depois de décadas de regimes comunistas fechados e da recente e tumultuada entrada na democracia representativa, a nostalgia em relação a uma antiga "época de ouro", pré-Segunda Guerra Mundial, parece mexer com o imaginário de búlgaros, iugoslavos, romenos e albaneses.
Bulgária e Iugoslávia são os exemplos mais evidentes. Simeon Borisov Saxe-Coburgotski, 64, que chegou a ser rei da Bulgária quando menino, liderou uma coalizão vencedora das eleições de 17 de junho último. Logo depois, foi indicado como premiê.
Aleksander Karadjeordjevic, 56, (pronuncia-se "caragueorguevitch"), filho do último rei da Iugoslávia, Petar 2º, recebeu de volta, terça-feira passada, o palácio de sua família em Belgrado.
"Quero ficar mais próximo de meu povo. Estou muito feliz", disse o príncipe à Folha. "Defendo a monarquia parlamentar, pois ela traz estabilidade política. O rei fica acima das disputas políticas."
Especialistas corroboram a tese de nostalgia monárquica.
"As populações desses países se mostram desiludidas. Acabou o regime comunista, do qual elas estavam cansadas, e as promessas de prosperidade do capitalismo e da democracia não se confirmaram. O resultado? Uma nostalgia dos tempos de "estabilidade" monárquica", afirma Lee Sigelman, cientista político da Universidade George Washington (EUA).
"O capitalismo não trouxe pujança econômica. Foi ingênuo esperar isso de repente. Então os velhos políticos e partidos de origem comunista ressurgiram, mas meteram os pés pelas mãos. Aí algumas pessoas começaram a pensar num rei, numa figura acima dessas coisas mundanas, zelando pelo bem do povo", diz Boris Stepanovic, doutor em história pela Universidade de Belgrado.

Histórias contraditórias
A figura de soberanos magnânimos e de belas princesas de contos de fadas pode mexer muito com o imaginário dos balcânicos, mas, mesmo vestindo o manto de democratas e alardeando que têm como exemplos as estáveis monarquias constitucionais da Europa Ocidental, alguns dos pretendentes aos antigos tronos não oferecem históricos pessoais compatíveis com a propaganda.
Miguel Hohenzollern-Sigmaringen, 79, ex-rei da Romênia, reclama das instituições de seu país: "O que pode ser visto [na Romênia" não é encorajador. Os partidos aparecem como cogumelos. Não é uma democracia, é o caos. O Parlamento não consegue aprovar as leis, a Justiça é incerta. Isso é, para mim, a prova de que permanece a mentalidade soviética. Precisamos limpar a casa".
O discurso forte faz lembrar que Miguel foi rei, de 1940 a 1947, sob uma Constituição ao estilo fascista da época. E também foi aliado dos nazistas, até trocar bruscamente de lado, em 1944.
As sociedades monárquicas que apóiam a volta da realeza adotam tradicionais nomes fascistas, como a "Coroa de Aço", e pregam o retorno, nem que pela força, de territórios que já foram romenos e hoje fazem parte de Moldova e da Ucrânia. Talvez por causa desse apoio belicoso Miguel receba tão pouco respaldo internacional.
A Albânia é o país em que a idéia da monarquia menos prospera. A volta do rei Leka 1º, refugiado na África do Sul, foi apoiada por alguns dos principais clãs albaneses nos anos 90. O então presidente, Sali Berisha, chegou a receber Leka em 1997 e lhe prometeu convocar um plebiscito.
Mas, no fim daquele ano, a quebra de fundos financeiros respaldados pelo Estado -baseados no sistema de pirâmides, que, informalmente, já esteve em moda aqui no Brasil- levou o país à beira do caos.
Como não conseguiu levar adiante o plebiscito, Leka planejou um golpe, que foi prematuramente frustrado em 1999, quando as autoridade sul-africanas o prenderam por manter um verdadeiro arsenal em casa.

Neofascismo
"Quando as coisas não andam bem na economia, procura-se um bode expiatório e se tenta afirmar o orgulho da comunidade, para contrapor o baixo-astral da recessão e do desemprego", diz o jornalista Nursulan Surayev, da "Far Eastern Economic Review".
É bom lembrar que as monarquias balcânicas -com exceção da albanesa- surgiram no século 19, durante o desmantelamento do Império Otomano. Elas usaram e abusaram do discurso ultranacionalista. Por isso os estudiosos temem o fortalecimento do ideário de afirmação étnica.
"Quero servir ao povo romeno", diz o pretendente romeno, Miguel. Acontece que a maioria dos monarquistas romenos não considera os ciganos (10% da população total de 22,5 milhões da Romênia) e os romenos de origem étnica húngara (7% da população) como parte desse povo.

Herdeiro Bragança
Há uma curiosidade na dinastia iugoslava: um descendente de dom Pedro 1º, do Brasil, poderia subir ao trono, pois o primeiro na sucessão de Aleksander seria Petar, 21. Ele e os gêmeos Filip e Aleksander, 19, são filhos do príncipe herdeiro e de sua primeira mulher, Maria da Glória de Orleans e Bragança.
"Os meninos adoram o Brasil e falam um pouco de português, assim como eu. Adoramos Petrópolis, onde já estivemos na casa de meu ex-sogro, dom Pedro Gastão", diz Karadjeordjevic.


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