São Paulo, domingo, 22 de julho de 2001

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PATRIMÔNIO CULTURAL
Governo espanhol oferece casa e trabalho a estrangeiros para tentar conter extinção de povoados

Espanha adota famílias de imigrantes

LILIAN CHRISTOFOLETTI
ENVIADA ESPECIAL A TERUEL

Igrejas e casas em ruínas, ruas desertas e velhos moradores que, sentados em cadeiras nas calçadas, esperam o fim de mais um povoado espanhol: esse é o retrato do município de Castell de Cabras, com 22 moradores. A imagem se repete muitas vezes em um país que tem hoje cerca de 2.000 aldeias abandonadas.
Para tentar reverter esse cenário, a Espanha resolveu "adotar" famílias de imigrantes. Com a condição de que cooperem para a estabilidade de povoados com menos de 500 habitantes, o governo lhes promete casa e trabalho por um período de cinco anos.
Essa foi a única alternativa encontrada pelo país, cuja taxa de natalidade é a mais baixa do mundo, com 1,19 filho por mulher.
O melhor exemplo de renascimento de um município é o de Aguaviva, na Província de Teruel (leste da Espanha). Há menos de dois anos, a cidade tinha 550 habitantes, 80% deles com mais de 60 anos. A escola estava paralisada, e as construções, em ruínas.
No ano passado, o prefeito Luis Brício resolveu "adotar" famílias de imigrantes de diversas nacionalidades. A cada uma, ofereceu uma boa casa, por um aluguel simbólico, e um trabalho. O resultado transformou a iniciativa em modelo para outros povoados ameaçados de extinção.
Hoje, Aguaviva tem 670 moradores e uma escola nova, com 80 alunos. A igreja foi reformada pelos imigrantes, assim como a capela, que deve ser transformada em um albergue de jovens.
Mas o acontecimento mais importante, segundo os moradores, foi o nascimento de dois bebês.
Os habitantes sabem que ainda há muito a ser feito. As opções de lazer em Aguaviva se resumem a dois bares. Há apenas um médico e um padre, e os professores moram todos fora do povoado.
"Aqui não há cinemas, boates ou teatros, mas temos segurança e vivemos como uma grande família. Estou feliz por minha família viver em Aguaviva", diz a argentina Gilda Mazzeo. Ela, o marido e os dois filhos foram a primeira família a ser "adotada".
"Sinto saudades de tudo, mas não penso em viver na Argentina. Se estava acostumada à loucura de Buenos Aires, onde tinha medo de sair na rua, morar aqui é uma tranquilidade", diz Gilda.
Do trabalho de recuperação feito em Aguaviva nasceu a Associação Espanhola de Municípios contra o Despovoamento, que congrega hoje 77 municípios com menos de 500 habitantes.
"Precisamos da ajuda de imigrantes interessados em reconstruir povoados, que estejam dispostos a reerguer escolas, casas e igrejas em ruínas. É preciso se sentir envolvido pelo projeto", diz o prefeito, Luis Brício.
A vida não é fácil. As regiões mais carentes de imigrantes são também as mais isoladas.
Em muitos povoados, é preciso se acostumar a viver sem energia elétrica e água corrente.
A agricultura é desfavorecida por invernos rigorosos e pela dificuldade de comunicação com cidades grandes.
As dificuldades dessas zonas são tão grandes que, segundo o governo, cerca de 2.000 povoados desapareceram nas últimas décadas. Os moradores saíram em busca de trabalho em áreas mais desenvolvidas. Outros 300 povoados correm o mesmo risco.
"Os imigrantes serão bem-vindos, mas não queremos famílias que possam nos trazer problemas. Vivemos com tranquilidade. A nova família precisa se adaptar aos nossos costumes", diz Antonio Rillo Aguiar, 70, que comparte a aldeia Masía El Diablo, na Província de Teruel, com apenas outras quatro famílias.
A preferência dos espanhóis é por famílias latino-americanas, das quais se sentem culturalmente mais próximos. Mas a seleção é rigorosa.
Desde que a associação começou a funcionar, em novembro de 2000, apenas 26 casais de imigrantes, em média com cinco filhos, foram "adotados".
Cerca de 5.000 novas solicitações de famílias que conheceram o projeto por meio da imprensa já chegaram ao município de Aguaviva. Mas o número não é suficiente. A cada mês, novos povoados se agregam à associação, e a necessidade aumenta.
O projeto é que a administração de cada povoado se responsabilize por conseguir uma boa casa para a família "adotada", pela qual deve cobrar um aluguel considerado simbólico, de aproximadamente R$ 200.
Além disso, o pai da família escolhida deve ter um trabalho assegurado, normalmente relacionado à construção civil, com um salário inicial de R$ 1.200.
Não há garantia de trabalho para a mulher. As que fazem parte das famílias já "adotadas" trabalham cuidando de idosos, na limpeza de casas ou em pequenos hotéis, quando eles existem.
O pedido de cada família é analisado durante quase quatro meses. Uma das principais exigências é a de que um dos cônjuges seja descendente de espanhóis ou de cidadãos de um dos países que integram a União Européia.
O casal deve ser unido legalmente, para facilitar o visto de residência, e ter dois ou mais filhos com menos de 12 anos, para que eles possam estudar em escolas que hoje estão ameaçadas de fechar por falta de alunos.
Entre as profissões mais visadas estão as relacionadas à construção civil, como as de pedreiro, eletricista e encanador. Além disso, as famílias passam por uma avaliação bastante subjetiva da comunidade. O objetivo é descartar pessoas que estejam buscando apenas uma oportunidade de sair de seus países e, portanto, possam abandonar o povoado.
"Não queremos pessoas más. Não fará diferença se as famílias que chegarem forem de brasileiros, argentinos ou uruguaios. O importante é que sejam pessoas boas", diz José Manoel Herrero, morador de Castell de Cabras.



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