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PATRIMÔNIO CULTURAL
Governo espanhol oferece casa e trabalho a estrangeiros para tentar conter extinção de povoados
Espanha adota famílias de imigrantes
LILIAN CHRISTOFOLETTI
ENVIADA ESPECIAL A TERUEL
Igrejas e casas em ruínas, ruas
desertas e velhos moradores que,
sentados em cadeiras nas calçadas, esperam o fim de mais um
povoado espanhol: esse é o retrato
do município de Castell de Cabras, com 22 moradores. A imagem se repete muitas vezes em
um país que tem hoje cerca de
2.000 aldeias abandonadas.
Para tentar reverter esse cenário, a Espanha resolveu "adotar"
famílias de imigrantes. Com a
condição de que cooperem para a
estabilidade de povoados com
menos de 500 habitantes, o governo lhes promete casa e trabalho
por um período de cinco anos.
Essa foi a única alternativa encontrada pelo país, cuja taxa de
natalidade é a mais baixa do mundo, com 1,19 filho por mulher.
O melhor exemplo de renascimento de um município é o de
Aguaviva, na Província de Teruel
(leste da Espanha). Há menos de
dois anos, a cidade tinha 550 habitantes, 80% deles com mais de 60
anos. A escola estava paralisada, e
as construções, em ruínas.
No ano passado, o prefeito Luis
Brício resolveu "adotar" famílias
de imigrantes de diversas nacionalidades. A cada uma, ofereceu
uma boa casa, por um aluguel
simbólico, e um trabalho. O resultado transformou a iniciativa em
modelo para outros povoados
ameaçados de extinção.
Hoje, Aguaviva tem 670 moradores e uma escola nova, com 80
alunos. A igreja foi reformada pelos imigrantes, assim como a capela, que deve ser transformada
em um albergue de jovens.
Mas o acontecimento mais importante, segundo os moradores,
foi o nascimento de dois bebês.
Os habitantes sabem que ainda
há muito a ser feito. As opções de
lazer em Aguaviva se resumem a
dois bares. Há apenas um médico
e um padre, e os professores moram todos fora do povoado.
"Aqui não há cinemas, boates
ou teatros, mas temos segurança e
vivemos como uma grande família. Estou feliz por minha família
viver em Aguaviva", diz a argentina Gilda Mazzeo. Ela, o marido e
os dois filhos foram a primeira família a ser "adotada".
"Sinto saudades de tudo, mas
não penso em viver na Argentina.
Se estava acostumada à loucura
de Buenos Aires, onde tinha medo de sair na rua, morar aqui é
uma tranquilidade", diz Gilda.
Do trabalho de recuperação feito em Aguaviva nasceu a Associação Espanhola de Municípios
contra o Despovoamento, que
congrega hoje 77 municípios com
menos de 500 habitantes.
"Precisamos da ajuda de imigrantes interessados em reconstruir povoados, que estejam dispostos a reerguer escolas, casas e
igrejas em ruínas. É preciso se
sentir envolvido pelo projeto", diz
o prefeito, Luis Brício.
A vida não é fácil. As regiões
mais carentes de imigrantes são
também as mais isoladas.
Em muitos povoados, é preciso
se acostumar a viver sem energia
elétrica e água corrente.
A agricultura é desfavorecida
por invernos rigorosos e pela dificuldade de comunicação com cidades grandes.
As dificuldades dessas zonas
são tão grandes que, segundo o
governo, cerca de 2.000 povoados
desapareceram nas últimas décadas. Os moradores saíram em
busca de trabalho em áreas mais
desenvolvidas. Outros 300 povoados correm o mesmo risco.
"Os imigrantes serão bem-vindos, mas não queremos famílias
que possam nos trazer problemas. Vivemos com tranquilidade.
A nova família precisa se adaptar
aos nossos costumes", diz Antonio Rillo Aguiar, 70, que comparte a aldeia Masía El Diablo, na
Província de Teruel, com apenas
outras quatro famílias.
A preferência dos espanhóis é
por famílias latino-americanas,
das quais se sentem culturalmente mais próximos. Mas a seleção é
rigorosa.
Desde que a associação começou a funcionar, em novembro de
2000, apenas 26 casais de imigrantes, em média com cinco filhos,
foram "adotados".
Cerca de 5.000 novas solicitações de famílias que conheceram
o projeto por meio da imprensa já
chegaram ao município de Aguaviva. Mas o número não é suficiente. A cada mês, novos povoados se agregam à associação, e a
necessidade aumenta.
O projeto é que a administração
de cada povoado se responsabilize por conseguir uma boa casa
para a família "adotada", pela
qual deve cobrar um aluguel considerado simbólico, de aproximadamente R$ 200.
Além disso, o pai da família escolhida deve ter um trabalho assegurado, normalmente relacionado à construção civil, com um salário inicial de R$ 1.200.
Não há garantia de trabalho para a mulher. As que fazem parte
das famílias já "adotadas" trabalham cuidando de idosos, na limpeza de casas ou em pequenos hotéis, quando eles existem.
O pedido de cada família é analisado durante quase quatro meses. Uma das principais exigências é a de que um dos cônjuges
seja descendente de espanhóis ou
de cidadãos de um dos países que
integram a União Européia.
O casal deve ser unido legalmente, para facilitar o visto de residência, e ter dois ou mais filhos
com menos de 12 anos, para que
eles possam estudar em escolas
que hoje estão ameaçadas de fechar por falta de alunos.
Entre as profissões mais visadas
estão as relacionadas à construção civil, como as de pedreiro, eletricista e encanador. Além disso,
as famílias passam por uma avaliação bastante subjetiva da comunidade. O objetivo é descartar
pessoas que estejam buscando
apenas uma oportunidade de sair
de seus países e, portanto, possam
abandonar o povoado.
"Não queremos pessoas más.
Não fará diferença se as famílias
que chegarem forem de brasileiros, argentinos ou uruguaios. O
importante é que sejam pessoas
boas", diz José Manoel Herrero,
morador de Castell de Cabras.
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