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GUERRA ÀS DROGAS
Para estudioso, mercado legal para a coca pode absorver produção e criar alternativas ao narcotráfico
Histeria confunde bolsinha de chá com droga, diz analista
DO ENVIADO ESPECIAL À BOLÍVIA
A criação de um mercado legal
para produtos à base de coca poderia absorver os cultivos hoje ilegais usados pelo narcotráfico. A
afirmação é de Roberto Laserna,
considerado um dos maiores especialistas acadêmicos no tema.
Professor da Universidade San
Simón, de Cochabamba, e diretor
do Ceres (Centro de Estudos da
Realidade Econômica e Social),
Laserna defendeu sua tese de
doutorado sobre o cultivo da coca
na Universidade de Berkeley, na
Califórnia. Leia a seguir trechos
da entrevista concedida por Laserna à Folha em Cochabamba:
(ROGERIO WASSERMANN)
Folha - Por que os camponeses resistem tanto à erradicação da coca
e aos cultivos alternativos?
Laserna - Um dos argumentos é
o da tradição. Sempre foi um cultivo tradicional e legal até que veio
uma força externa para dizer que
aquilo era ilegal.
Além disso, a coca é uma planta
que dura mais de 15 anos e dá várias colheitas ao ano. E a colheita
pode ser guardada por um longo
período, ao contrário de outros
produtos, como a banana ou o
abacaxi. A coca tem um alto valor
por peso, então o camponês pode
levar nas costas um valor que, em
frutas, necessitaria de uma camionete para transportar.
Uma grande parte da política
antidrogas se concentrou na idéia
de que a coca é um produto rentável e que deve ser substituído por
outro produto mais rentável. Eu
acho que a rentabilidade não é um
tema que entre no cálculo do
camponês. O que entra é a segurança, o pouco risco e o fluxo de
dinheiro. A coca é como uma
apólice de seguro.
Folha - Mas a segurança que eles
têm com a coca não vem da possibilidade de vendê-la ao narcotráfico?
Laserna - A coca sempre teve um
grande mercado, porque é um
produto que tem muitos usos.
Quando veio o narcotráfico, com
uma demanda adicional, estimulou o mercado, mas o rol de utilizações da planta na comunidade
camponesa já existia antes e continuará existindo. Claro que o
narcotráfico deve ser o mercado
mais interessante para eles hoje,
mas sempre foi fácil para um produtor de coca vender a produção.
Folha - Qual seria a solução para
esse problema?
Laserna - Considerando os múltiplos usos da coca, o mais lógico
seria tratar de criar uma demanda
legal que pudesse competir com a
demanda ilegal, para oferecer aos
camponeses uma alternativa. Mas
não se fez isso. Não houve um
único projeto de investigação para verificar a industrialização e o
uso alternativo da coca.
Se o chá de coca conseguisse 5%
do mercado mundial de chá, seria
suficiente para absorver toda a
produção de coca do Chapare e a
metade da coca peruana.
Folha - Que outros usos poderia
ter a coca?
Laserna - Vitaminas podem ser
extraídas da coca, mas não houve
estudos sistemáticos sobre isso.
Eu diria, inclusive, que os estudos
foram inibidos, porque a idéia é:
temos de erradicar a coca e ponto.
Folha - Mas os outros países proíbem a entrada desses produtos...
Laserna - Sim, é proibido, mas é
algo que poderia ter sido negociado em algum momento. Poderia
ter sido feito um acordo internacional para não levar a histeria da
coca e da droga a uma bolsinha de
chá, que é absolutamente inofensiva. Estamos vivendo a consequência de uma política maniqueísta. Não houve inteligência
para ver a maneira de expandir o
consumo legal da coca para aproveitar um cultivo que tem tantas
vantagens econômicas. Só dizem:
temos de acabar com a coca porque é a base da cocaína.
Folha - O governo argumenta que
o Plano Dignidade ajudou a melhorar o conceito do país. Isso influencia a opinião pública?
Laserna - Isso pode ter consequências para a minoria branca
que viaja com frequência ao estrangeiro e que era antes objeto de
humilhação. Mas quantos bolivianos fazem isso? Uma minoria.
Folha - Os programas de cultivos
alternativos estão funcionando?
Laserna - As propostas de desenvolvimento alternativo não se
consolidaram. Não há substitutos
econômicos para a coca. Há pequenos êxitos em alguns produtos, mas não é o suficiente.
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