São Paulo, domingo, 22 de outubro de 2000

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GUERRA ÀS DROGAS
Evo Morales, líder dos cultivadores do Chapare, foi eleito em 1997 com o slogan "vote pela coca"
Deputado lidera mobilizações pró-coca

DO ENVIADO ESPECIAL AO CHAPARE (BOLÍVIA)

O deputado boliviano Evo Morales é uma figura totalmente atípica dentro do Congresso de seu país. Não somente pelo fato de ter origem indígena, como a maioria de seus conterrâneos e a minoria de seus colegas legisladores.
Enquanto boa parte dos deputados brada contra a coca e comunga da posição do governo de erradicar os cultivos ilegais da planta antes de 2002, Morales a defende a ferro e fogo, liderando as maiores mobilizações camponesas contra o Plano Dignidade de combate à coca.
Líder máximo das cerca de 40 mil famílias de camponeses do Chapare (centro do país), Morales, 41, foi eleito pela primeira vez em 1997 com mais de 70% dos votos da região, utilizando o slogan "Vote pela coca".
Numa região que cresceu e se desenvolveu a partir do boom da coca, nos anos 70 e 80, seu discurso é insuperável.
"Evo é nosso pai, nosso protetor. Ele vai nos ajudar a continuar plantando nossa coca para podermos sobreviver", disse à Folha o agricultor Zenóbio Calcina, 48, enquanto participava, com outras dezenas de cultivadores e ex-cultivadores de coca, de um bloqueio na estrada que liga Santa Cruz de la Sierra a Cochabamba, no início de outubro, contra o programa de erradicação.
De origem étnica aymará (uma das duas principais etnias indígenas que compõem a população boliviana), Morales tem uma trajetória semelhante a de muitos de seus liderados, que deixaram outras regiões do país para plantar a coca no Chapare, onde havia terras livres em abundância, numa verdadeira "corrida da coca".
Nascido em uma família de agricultores na cidade de Orinoca, na região de La Paz, Morales chegou ao Chapare há 19 anos, porque, diz, em sua terra "não tinha nem o que comer".
Logo se tornou o líder de uma estrutura que engloba centenas de sindicatos e associações. "Nós nos organizamos para combater a injustiça", diz. "A coca é a vértebra das culturas quechua e aymará."
Como líder máximo de camponeses que acusam o governo de usar métodos violentos em suas ofensivas de erradicação das plantações de coca, Morales chegou a ter seu nome indicado ao Prêmio Nobel da Paz em 1995 por um grupo holandês de defesa dos direitos humanos.

Narcotráfico
Por conta de sua defesa, muitas vezes apaixonada, da folha de coca, já foi ameaçado por diversas vezes de ter sua imunidade parlamentar cassada pelos colegas, que o acusam de estar defendendo interesses de narcotraficantes.
"A coca não é cocaína. Não se pode criminalizar um objeto como a folha de coca, milenar, tradicional e inofensiva", reage Morales, mostrando indignação.
"Lamentavelmente, a comunidade internacional tem essa visão preconceituosa a respeito da coca, influenciada pela visão norte-americana de combate às drogas. Se alguém fabrica esse pó branco, não somos nós", afirma.
Segundo suas contas, "entre 5 e 6 milhões de bolivianos, dos 8 milhões de habitantes do país, consomem com frequência a folha de coca", seja na forma de chá, seja para "pijchear" ou "acullicar", os termos indígenas para o ato tradicional de mascar as folhas.
"Com esse mercado enorme, seria perfeitamente viável que o governo aceitasse nossa reivindicação para que cada família do Chapare possa manter uma pequena plantação de coca, de 1.600 m2", afirma Morales.
Ele afirma que os camponeses continuarão lutando por esse direito e seguindo à risca seu lema ("coca ou morte"), no caso de o governo continuar com sua posição firme de não ceder na questão da erradicação, hipótese que, até aqui, parece ser a mais provável.
"Eles erradicarão e nós plantaremos de novo. Vamos seguir nesse círculo vicioso até que aceitem nossas demandas ou que nos matem, porque a coca para nós é uma questão de vida ou morte."
(ROGERIO WASSERMANN)



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