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GUERRA ÀS DROGAS
Evo Morales, líder dos cultivadores do Chapare, foi eleito em 1997 com o slogan "vote pela coca"
Deputado lidera mobilizações pró-coca
DO ENVIADO ESPECIAL AO CHAPARE (BOLÍVIA)
O deputado boliviano Evo Morales é uma figura totalmente atípica dentro do Congresso de seu
país. Não somente pelo fato de ter
origem indígena, como a maioria
de seus conterrâneos e a minoria
de seus colegas legisladores.
Enquanto boa parte dos deputados brada contra a coca e comunga da posição do governo de
erradicar os cultivos ilegais da
planta antes de 2002, Morales a
defende a ferro e fogo, liderando
as maiores mobilizações camponesas contra o Plano Dignidade
de combate à coca.
Líder máximo das cerca de 40
mil famílias de camponeses do
Chapare (centro do país), Morales, 41, foi eleito pela primeira vez
em 1997 com mais de 70% dos votos da região, utilizando o slogan
"Vote pela coca".
Numa região que cresceu e se
desenvolveu a partir do boom da
coca, nos anos 70 e 80, seu discurso é insuperável.
"Evo é nosso pai, nosso protetor. Ele vai nos ajudar a continuar
plantando nossa coca para podermos sobreviver", disse à Folha o
agricultor Zenóbio Calcina, 48,
enquanto participava, com outras
dezenas de cultivadores e ex-cultivadores de coca, de um bloqueio
na estrada que liga Santa Cruz de
la Sierra a Cochabamba, no início
de outubro, contra o programa de
erradicação.
De origem étnica aymará (uma
das duas principais etnias indígenas que compõem a população
boliviana), Morales tem uma trajetória semelhante a de muitos de
seus liderados, que deixaram outras regiões do país para plantar a
coca no Chapare, onde havia terras livres em abundância, numa
verdadeira "corrida da coca".
Nascido em uma família de
agricultores na cidade de Orinoca, na região de La Paz, Morales
chegou ao Chapare há 19 anos,
porque, diz, em sua terra "não tinha nem o que comer".
Logo se tornou o líder de uma
estrutura que engloba centenas de
sindicatos e associações. "Nós nos
organizamos para combater a injustiça", diz. "A coca é a vértebra
das culturas quechua e aymará."
Como líder máximo de camponeses que acusam o governo de
usar métodos violentos em suas
ofensivas de erradicação das plantações de coca, Morales chegou a
ter seu nome indicado ao Prêmio
Nobel da Paz em 1995 por um
grupo holandês de defesa dos direitos humanos.
Narcotráfico
Por conta de sua defesa, muitas
vezes apaixonada, da folha de coca, já foi ameaçado por diversas
vezes de ter sua imunidade parlamentar cassada pelos colegas, que
o acusam de estar defendendo interesses de narcotraficantes.
"A coca não é cocaína. Não se
pode criminalizar um objeto como a folha de coca, milenar, tradicional e inofensiva", reage Morales, mostrando indignação.
"Lamentavelmente, a comunidade internacional tem essa visão
preconceituosa a respeito da coca,
influenciada pela visão norte-americana de combate às drogas.
Se alguém fabrica esse pó branco,
não somos nós", afirma.
Segundo suas contas, "entre 5 e
6 milhões de bolivianos, dos 8 milhões de habitantes do país, consomem com frequência a folha de
coca", seja na forma de chá, seja
para "pijchear" ou "acullicar", os
termos indígenas para o ato tradicional de mascar as folhas.
"Com esse mercado enorme, seria perfeitamente viável que o governo aceitasse nossa reivindicação para que cada família do Chapare possa manter uma pequena
plantação de coca, de 1.600 m2",
afirma Morales.
Ele afirma que os camponeses
continuarão lutando por esse direito e seguindo à risca seu lema
("coca ou morte"), no caso de o
governo continuar com sua posição firme de não ceder na questão
da erradicação, hipótese que, até
aqui, parece ser a mais provável.
"Eles erradicarão e nós plantaremos de novo. Vamos seguir
nesse círculo vicioso até que aceitem nossas demandas ou que nos
matem, porque a coca para nós é
uma questão de vida ou morte."
(ROGERIO WASSERMANN)
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