São Paulo, sexta, 23 de janeiro de 1998.



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PRIMEIRA MISSA
João Paulo 2º fala de educação, família e aborto e faz novas críticas ao regime comunista de Fidel Castro
Papa pede volta do ensino católico a Cuba

JOÃO BATISTA NATALI
enviado especial a Havana


Além de novamente abordar o aborto e o divórcio, temas recorrentes em suas peregrinações, João Paulo 2º criticou ontem o governo cubano por não permitir que as crianças possam ter como opção o ensino religioso.
"Os pais deveriam escolher para seus filhos o método pedagógico, o conteúdo ético e cívico e a inspiração religiosa que os qualificaria para o recebimento de uma educação integral", disse ele.
A menção ao ensino religioso provocou aplausos de uma multidão de 80 mil a 120 mil pessoas que compareceu ontem de manhã a sua primeira missa, em Santa Clara -276 km a sudeste de Havana- que o papa oficiou em Cuba. A agência "Reuters" diz que havia pelo menos 50 mil pessoas.
Foi a primeira vez, em 39 anos, que tantos cubanos se reuniram em local público sem motivação claramente política e sem terem sido convocados para um ato do governo.
A missa, com 2 horas e 40 minutos e transmissão pela TV, ocorreu no campo esportivo do Instituto Superior de Cultura Física de Santa Clara, espaço normalmente reservado ao beisebol, o esporte nacional cubano.
A cerimônia, com um coral misto de 300 vozes, teve a solenidade musical do catolicismo caribenho. Em lugar dos clássicos europeus, os hinos e cânticos tinham a formatação discreta de salsa, bolero e mambo.
João Paulo 2º, demonstrando melhores condições físicas que em suas aparições em outubro último no Rio, dicção mais firme e maior facilidade de locomoção, foi sutil e ao mesmo tempo inequívoco em suas críticas ao regime local.
"Há sistemas culturais que, sob a aparência de liberdade e progresso, promovem e defendem uma mentalidade antinatalista", afirmou. Diante dela, a maternidade "passa a ser vista como uma limitação da liberdade da mulher" e as crianças, em lugar de concebidas como "um grande presente de Deus", passam a ser "um problema contra o qual é preciso se proteger".
E mais adiante: "Este país criou numerosas dificuldades para a estabilidade da família". Citou "a escassez material, quando os salários permitem um poder de compra muito limitado, a insatisfação por motivos ideológicos ou a atração exercida pela sociedade de consumo".
Numa referência velada ao governo local, João Paulo 2º exortou os fiéis a "não terem medo". "Nenhuma ideologia pode substituir o infinito poder e bondade de Cristo."
O papa rezará hoje missa em Camagüey, a 533 km a sudoeste de Havana, com homilia que terá por tema a juventude. Amanhã estará em Santiago de Cuba, a 860 km da capital, devendo se pronunciar sobre as relações dos cristãos com suas pátrias. Sua última missa, no domingo, será em Havana.
O local da cerimônia -um descampado perto dos limites da cidade- lembrava em muito pouco o ato litúrgico semelhante que o papa oficiou no aterro do Flamengo, no Rio. Era como se, em Cuba, o entusiasmo fosse mais comedido.
Ao chegar de papamóvel -ele viajou à cidade de avião e voltou a Havana após a missa, para encontro às 18h locais (21h em Brasília) com Fidel Castro-, João Paulo 2º foi longamente aplaudido, mas sem nenhum delírio.
Bem mais soltos eram os pequenos grupos de peregrinos estrangeiros -mexicanos, colombianos, nicaraguenses- que não pararam de agitar suas bandeiras e a gritar com entusiasmo.



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