São Paulo, Domingo, 23 de Janeiro de 2000


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TIRO PELA CULATRA
Mahuad recorreu à medida para recuperar apoio quando tinha apenas 7% de aprovação em pesquisa
Dolarização fracassa como golpe político

EDGAR HERNÁNDEZ
da "Efe", em Quito

A decisão do governo equatoriano de substituir a moeda nacional, o sucre, pelo dólar, visando acabar com a especulação cambial, não conseguiu pôr fim ao clima de incerteza em que o Equador está mergulhado há mais de um ano. A crise política piorou ainda mais a situação.
Em consequência da crise econômica e das medidas mais recentes, a disparidade entre ricos e pobres se aprofundou, com a novidade de que a classe média e os trabalhadores hoje recebem salários desprezíveis em dólares e que os preços dos produtos de primeira necessidade dispararam.
Dos 5 milhões de equatorianos que compõem a população economicamente ativa, 4 milhões recebem menos de US$ 100 por mês, e a maioria menos de US$ 50. Enquanto isso, os preços dos produtos tendem a equiparar-se aos do mercado externo.
O governo Mahuad esperava que a estabilidade traria os investimentos que, nos últimos anos, chegaram ao Equador em conta-gotas, esperando que com isso a economia seria reativada, com geração de empregos, e que a força do mercado melhoraria a situação das camadas mais pobres da população.
A proposta de dolarizar a economia, lançada no último dia 9 de janeiro, chegou num momento de desespero político do governo Mahuad, quando sua popularidade caíra para 7% e as pressões por sua renúncia chegavam de todos os lados, da extrema esquerda até a direita.
Foi nesse momento que o presidente deu a sua última cartada. Conseguiu o apoio dos setores mais poderosos e das Forças Armadas para a dolarização, mas levou os setores populares a sair às ruas em protesto.
O anúncio da dolarização causou um impacto tão grande que os analistas divergiam semana passada quanto a suas possíveis consequências, apesar de a aplicação ter se tornado duvidosa agora, mesmo com o novo presidente a apoiando.
Tudo depende da seriedade do Executivo em aplicar uma política fiscal severa e mostrar-se conservador com os gastos públicos.
As consequências da medida também dependem do rumo que poderá ganhar o movimento popular indígena, do respaldo que obtenha dos políticos, tradicionalmente oportunistas, e da possibilidade de os militares conservarem a ordem pública sem derramamento de sangue. Tudo isso fica agora em suspenso.

Sem fôlego
Faltava ainda levar a cabo a difícil tarefa de atrair investidores, que estavam céticos em relação à solidez da medida e à capacidade de liderança do ex-presidente.
O tanque de oxigênio de que Mahuad se dotou ao anunciar a mudança de modelo foi insuficiente diante da greve lenta, mas segura e crescente decretada pelos movimentos sociais liderados pelos indígenas, que, em protestos anteriores, deram mostras de grande capacidade de resistência.
As manifestações, que em princípio contavam apenas com o apoio dos indígenas, foram recebendo o respaldo paulatino dos cidadãos comuns, fartos da especulação galopante e da falta de novas definições.
A dolarização não surpreendeu os equatorianos, já que há muitos meses os bens e serviços já vinham sendo cotados em dólar, e o sucre estava tão desprestigiado que merecia ser tirado de circulação. Assim, não é muito que se perde ao retirar a moeda nacional do mercado.
Mahuad parecia ter recuperado algum capital político com o anúncio da dolarização e contava com respaldo aparente no Congresso equatoriano. Mas a duração desse apoio foi curto, com os militares mudando de lado e o movimento popular ganhando força.
Anteontem, no momento em que a crise política precipitava-se, o Executivo estava empenhado em ganhar apoio para a chamada "Lei Troleibus", que visa regulamentar o novo sistema de dolarização, e para isso estava revendo seu esboço com a ajuda de especialistas nacionais e estrangeiros.
Os movimentos sociais, por sua parte, se mantêm intransigentes em seu empenho de continuar suas manifestações pelos direitos indígenas e contra a dolarização econômica.


Tradução de Clara Allain


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