São Paulo, Domingo, 23 de Janeiro de 2000


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NOVA IMAGEM

Gore recorre a anedotas e a apertos de mão

NICHOLAS D. KRISTOF
do "The New York Times", em Sioux City, Iowa

Os habitantes do Iowa que comparecem aos comícios para ver o vice-presidente Al Gore frequentemente se surpreendem com o candidato que encontram.
Em lugar do "grande soporífero" que esperam encontrar, do homem tão inexpressivo quanto um objeto inanimado e tão capaz quanto isso de fazer um discurso sedutor, os eleitores muitas vezes se assustam ao perceber que Gore os inspira e seduz com seus discursos improvisados, chegando a contar piadas engraçadas.
A observação mais frequentemente ouvida dos habitantes do Iowa que saíram de casa para ouvir seus discursos, mesmo entre aqueles que não pretendem votar em Gore, é que ele é muito mais animado, carismático e divertido do que imaginavam.
"Na TV, a impressão que ele passa é de uma pessoa fria, mas ele é muito melhor do que isso", disse a conselheira aposentada de alcoólatras Lorene Jambura, de Davenport, Iowa, depois de assistir a um discurso de Gore.
Mesmo que o outro pré-candidato democrata, o ex-senador Bill Bradley, fracassar em sua busca de obter a indicação para a candidatura do partido, terá realizado algo que muitas pessoas teriam julgado impossível.
Os assessores mais próximos do vice-presidente reconhecem que foi a pressão de Bradley que, nos últimos meses, levou Gore a dar ênfase a um estilo informal, simpático e às vezes até engajado.
O estilo de Gore era visto como um dos maiores pontos fracos de sua candidatura. Falta de experiência ou conhecimento não são falhas que lhe possam ser atribuídas, mas sua dificuldade em inspirar os eleitores ou incendiar uma platéia lançava dúvidas sobre sua capacidade de se fazer eleger e suscitava temores de que, mesmo que fosse eleito, sua Presidência seria fria.
Mesmo hoje, especialmente quando fala em temas complexos ou intelectuais, Gore pode parecer distante, assumindo ar de professor. Seus gestos às vezes dão a impressão de ser guiados por um assessor, por meio de um controle remoto. Se Clinton é perito em sentir a dor das outras pessoas, Gore, quando ocasiões desse tipo se apresentam, às vezes age como um robô.
No entanto, quando está totalmente "carregado", Gore é capaz de manter suas platéias atentas a cada palavra, rindo com as piadas e fascinadas com as histórias.
"Estou tão feliz de estar em Muscatine novamente", disse Gore com tanto sentimento que quase se poderia imaginar que estivesse falando a sério. Caminhando pelo palco numa camisa marrom e acenando para algumas pessoas na platéia que reconhecia, o vice-presidente falou: "Vou começar por lhes contar algumas coisas de minha vida".
A seguir, traçou uma breve biografia própria. Descreveu sua vida com seus pais de meios modestos, falou de seu passado como veterano do Vietnã e jornalista, passou por cima de sua carreira política. Concluiu falando do orgulho que sente em ser avô.
Gore frequentemente pede aos avôs e avós na platéia que levantem as mãos e depois pergunta se alguém tem até 15 ou mesmo 20 netos, elevando o número aos poucos até identificar e parabenizar a pessoa que tiver mais netos.
Embora repita a pergunta várias vezes por dia, ele sempre reage com aparente espanto ao ouvir que alguém tem até 27 ou 30 netos, e, mesmo que as platéias saibam que estão assistindo a uma representação, elas a adoram.
Em seus discursos, muitas vezes pede que os participantes levantem as mãos para indicar uma coisa ou outra, e, quando responde a perguntas, percorre o recinto com um microfone a mais, pedindo que as pessoas não apenas formulem perguntas, mas também contem suas histórias.
A ênfase sobre anedotas, netos e apertos de mão reduz o tempo disponível para a discussão de questões polêmicas, coisa que a campanha prefere evitar de qualquer maneira, já que a vantagem de Gore em Iowa já é confortável.
Entrevistas feitas com mais de 50 eleitores do Estado que ouviram os discursos do vice nos últimos dias sugerem que, pelo menos lá, a estratégia funciona.
"Fui ouvir o vice-presidente três vezes nos últimos meses", disse Gertrude MacQueen, cabo eleitoral democrata em Iowa City há anos, "e a cada vez ele está melhor, mais tranquilo."
Um fator que pode atuar a favor de Gore hoje é o da comparação.
No passado ele foi comparado a Clinton, inigualável em sua capacidade de criar empatia e relacionar-se com platéias. Hoje em dia, porém, Gore está sendo comparado, cada vez mais, a Bradley, que admite ter pontos fracos como orador público.
"Gore é um orador melhor do que Bradley", comentou a psicóloga escolar Christine Carpenter, que ouviu ambos os pré-candidatos e ainda não decidiu em quem votar. "Ele é mais divertido, ele contou mais piadas, foi mais animado. Seu discurso foi melhor."


Tradução de Clara Allain


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