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Abuso sexual marcou várias guerras
MÁRCIA DETONI
DA REDAÇÃO
O veredicto do tribunal de crimes de guerra em Haia de que estupro e escravidão sexual são crimes contra a humanidade foi
considerado uma vitória para os
grupos que lutam pelos direitos
da mulher.
"Ele muda a percepção de que o
estupro é intrínseco à guerra",
disse à Folha, por telefone, Heeleen Habraken, pesquisadora da
Anistia Internacional em Londres. "Esperamos que esse veredicto reforce a mensagem de que
crimes sexuais não podem ser
considerados normais em uma
guerra", acrescentou.
A guerra na antiga Iugoslávia
trouxe à tona uma questão que
sempre foi subestimada e varrida
para baixo do tapete por políticos,
militares e historiadores: o estupro como estratégia para aterrorizar e humilhar o inimigo, evidenciando a incapacidade de pais,
maridos, irmãos e filhos de defender suas mulheres.
O estupro foi tática de terror dos
alemães que marcharam sobre a
Bélgica na Primeira Guerra. Foi
usado contra as judias na Noite
dos Cristais (1938), que marcou o
início da campanha nazista contra os judeus na Alemanha. Foi arma de vingança de soldados russos, que violentaram milhares de
mulheres quando tomaram Berlim na Segunda Guerra. Foi usado, na mesma guerra, como método de "conforto" pelos japoneses, que se negam até hoje a reconhecer os crimes sexuais cometidos contra as asiáticas.
Os norte-americanos também
usaram o estupro na Guerra do
Vietnã para obter a submissão da
população, e centenas de mulheres foram violentadas em guerras
na África. Mas em nenhum desses
casos os crimes sexuais receberam tanta publicidade quanto os
cometidos na antiga Iugoslávia.
"As coisas mudaram", disse à
Folha Ariane Brunet, do Centro
Internacional para os Direitos
Humanos e Desenvolvimento
Democrático, com sede em Quebec, no Canadá.
"Antes, as mulheres eram oprimidas e não se defendiam. Ninguém falava de crimes sexuais na
guerra como um problema. Mas
alguns grupos de direitos humanos e de defesa das mulheres começaram a lutar contra esse tipo
de coisa", disse ela.
A Anistia e o Centro Internacional para os Direitos Humanos fizeram uma grande campanha para que a violência sexual fosse incluída no julgamento dos abusos
cometidos em Ruanda, em 1994,
durante o genocídio de tutsis, e
vêm lutando desde o final da
guerra da Bósnia para que os culpados por crimes sexuais fossem
levados à julgamento.
"Temos pressionado a Otan e as
forças internacionais na Bósnia,
lembrando que é mandato delas
prender os indiciados pelo tribunal de crimes de guerra. Só três foram trazidos para a Justiça. Há
mais casos que precisam ser julgados", disse Habraken.
Um fato muito importante, segundo Brunet, é que, finalmente,
os crimes sexuais estão começando a ser vistos como tortura física
e psicológica. "O estupro como
estratégia de guerra sempre existiu, mas nunca foi visto como um
crime contra a mulher. Era visto
como um crime contra a comunidade, um crime para desonrar o
inimigo", disse ela.
Brunet lembra que a Convenção
de Genebra, adotada em 1949 para proteger as vítimas de conflitos,
cita o estupro como crime de
guerra, mas o menciona simplesmente como uma desonra. "Mas
desonra contra quem? Contra as
mulheres ou contra os homens
que as possuem? Isso nunca foi
esclarecido", lamentou Brunet,
ressaltando que a grande vítima
do estupro é a mulher e não os homens ligados a ela.
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