São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 2002

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ANÁLISE

"Terceira Via" perde cinco e parece "via em extinção"

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Há apenas 22 meses, 15 governantes considerados de centro-esquerda, reuniram-se em Berlim, para a mais importante cúpula, até agora, do movimento que começou chamando-se "Terceira Via", passou a designar-se como "Governança Progressista", mas, agora, bem que poderia se chamar "via em processo de extinção".
Afinal, dos 15 dirigentes que assinaram o texto final de Berlim, quatro foram apeados do poder pelo voto, um (o argentino Fernando de la Rúa por um verdadeiro plebiscito, na forma de "panelaço"), e um sexto, o holandês Wim Kok, renunciou sucessivamente à liderança do seu partido (Partido do Trabalho) e ao cargo de primeiro-ministro.
Detalhe: dos 15 de Berlim, só Tony Blair ganhou a eleição a que se submeteu de lá para cá. Os demais talvez só estejam no poder porque não foram ainda submetidos à prova da urna.
O alemão Gerhard Schröder, por exemplo, está atrás, nas pesquisas, do ultraconservador Edmund Stoiber, da versão bávara da democracia cristã, exatamente o seu ramo mais conservador.
Foram ficando pelo caminho, sucessivamente, Bill Clinton, Fernando de la Rúa, os italianos da coalizão Oliveira (representada em Berlim pelo socialista Giuliano Amato), o português António Guterres e, agora, o francês Lionel Jospin.
Pior, para os que acreditam na "Terceira Via": as derrotas mais recentes são a continuidade de um processo de troca da esquerda pela direita, no comando dos governos europeus, como lembrou à Folha Nicholas Whyte, pesquisador do Centro para Estudo de Políticas Européias (Bruxelas):
"O pico dos partidos da social democracia na União Européia já passou. Do fim de 1998 ao princípio de 2000, todos os membros da União Européia, exceto Irlanda e Espanha, tinham social-democratas no governo. Desde então, governos de direita chegaram ao poder na Áustria, na Itália e na Dinamarca", lembra Whyte.
É claro que as razões pelas quais a Europa está substituindo os partidos da social-democracia por governos bem mais à direita são muitas e podem variar de país para país.
Mas Whyte tem uma explicação que é rigorosamente igual a muitas opiniões que desfilaram na noite de anteontem nas intermináveis mesas-redondas das TVs francesas sobre o fracasso de Jospin: "Os inventores da Terceira Via reinventaram as políticas da esquerda a tal ponto que é mais difícil dizer em que se diferenciam da direita".
No caso específico da França, a diferenciação se tornou ainda mais complicada porque Jospin conseguia ser, ao mesmo tempo, o primeiro-ministro que mandava a mais numerosa delegação ao Fórum Social Mundial de Porto Alegre e o que fazia o maior número de privatizações na história da França.
É possível conseguir votos com uma ou outra atitude, mas com ambas simultaneamente é mais fácil desconcertar o eleitorado de esquerda sem conquistar o da direita, que, como é óbvio, prefere os seus próprios representantes tradicionais.
Agora, as atenções da Europa vão estar centradas no turno final, embora tendam a zero as chances de uma nova surpresa, como seria a vitória do fascistóide Le Pen sobre Chirac.
Na própria noite de domingo, antes de que Jospin aceitasse a derrota, um dos quadros mais lúcidos do socialismo francês, o ex-ministro de Finanças Dominique Strauss-Khan, porta-voz da campanha de Jospin, já dizia que seu voto, tapando o nariz, iria para Chirac. Mais: dava o primeiro grito de uma campanha para que o voto da extrema direita seja o mais frágil possível, "pela honra da França".
Se a honra da França ficar limitada à derrota de Le Pen, é razoável supor que ela será salva. Mas a honra, ao menos eleitoral, da Terceira Via passa a depender de Schröder vencer em setembro.
Se perder, a direita estará chegando a um de seus momentos de auge. Menos, curiosamente, no Brasil, país em que a derrota de Fernando Henrique Cardoso, seu representante na Terceira Via seria, ao que tudo indica, a vitória exatamente da esquerda.



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