São Paulo, terça-feira, 23 de abril de 2002

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Para Alencastro, Le Pen pode crescer no segundo turno

MARIA BRANT
DA REDAÇÃO

Luiz Felipe de Alencastro, professor de história do Brasil na Universidade de Paris 4 (Sorbonne), atribui o triunfo de Jean-Marie Le Pen no primeiro turno das eleições presidenciais francesas ao fato de que ele "aglutinou uma insatisfação difusa na Europa com o rumo dos países europeus para uma federação européia".
Alencastro, autor de "O Trato dos Viventes" (Companhia das Letras, 2000), adverte que a "dinâmica do segundo turno" ainda permite o crescimento de Le Pen.
Leia, a seguir, a entrevista que ele deu à Folha, em São Paulo.

Folha - O que significa a vitória de Le Pen?
Luiz Felipe de Alencastro
- Há dois registros. O primeiro é a carreira pessoal de Le Pen. Ele tem 73 anos, 40 de carreira política como deputado de extrema direita -um movimento que existe na sociedade francesa, que ele encarna e encarnou desde sempre.
Outra coisa é ele ter conseguido chegar ao segundo turno eleitoral. Ele aglutinou uma insatisfação difusa na Europa, não só na França, com o rumo dos países europeus para uma federação européia. Essa federalização, a UE (União Européia), o euro, criam uma série de medos e ressentimentos em certas camadas políticas. Isso cria um descompasso entre os centros decisórios políticos nacionais, regionais e municipais e os centros de decisões econômicas. E Le Pen capitalizou isso, sem dúvida.

Folha - O que vai acontecer com a esquerda?
Alencastro -
Antes eu queria dizer que, por enquanto, Le Pen não ganhou nada, só um lugar no segundo turno. Está excluído que ele ganhe a eleição presidencial, e não há um bloco de extrema direita na França. Então, ele precisa desesperadamente, na eleição legislativa, transformar os votos que teve e os que conseguir obter no segundo turno em deputados, em um bloco parlamentar, o que é uma operação muito mais complicada. Se houver uma reação da esquerda, e é isso que se espera, em junho, esse surto da extrema direita pode morrer na praia.

Folha - O fato de a direita e a esquerda estarem se aproximando cada vez mais do centro favorece a ascensão dos extremismos?
Alencastro
- Isso é ainda uma consequência do avanço da UE no plano econômico: há um avanço institucional, o Banco Central Europeu, uma moeda única. Mas o eleitor ainda não dispõe de instituições políticas que estejam conectadas com seus interesses no nível europeu. O Parlamento Europeu não tem ainda mecanismos para captar insatisfações ou reivindicações dos europeus.

Folha - O que o sr. prevê para o segundo turno?
Alencastro -
Deve haver uma mobilização grande em torno de Chirac, não só da esquerda e da maioria dos partidos franceses, mas da Europa inteira, que quer exorcizar as perspectivas de um Le Pen antieuropeu. Vai haver uma pressão conjunta. Mas a dinâmica do segundo turno ainda permite o crescimento de Le Pen. Se juntamos todos os que são contra a Europa -extrema esquerda, extrema direita, soberanistas, o partido dos caçadores-, dá 40%. Parte do eleitorado de extrema esquerda pode se abster, mas, potencialmente, é antieuropéia. Le Pen também tem um eleitorado operário, teve uma votação importante em cidades industriais.
As eleições legislativas serão um terceiro turno. Chirac não está muito forte: [no segundo turno" ele terá votos por ser menos pior do que Le Pen. Se houver uma reação da esquerda, pode ser que o quadro atual, com um premiê socialista, se reproduza.



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