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COMENTÁRIO
Votação reflete desencanto com o establishment
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A França não despertou ontem
mais extremista do que era na última sexta-feira apesar de Jean-Marie Le Pen, líder da maior formação de extrema direita do país,
a Frente Nacional (FN), ter conseguido chegar ao segundo turno da
eleição presidencial anteontem.
Entretanto, além dos quase 17%
de Le Pen e dos cerca de 2,5% de
Bruno Mégret (ex-mentor intelectual da FN), a extrema esquerda conseguiu atrair quase 10,5%
do eleitorado. Assim, somadas, as
"extremas" chegaram perto dos
30% dos votos válidos.
Em relação à votação alcançada
por Le Pen, que no último pleito
presidencial já tinha conquistado
15% dos votos válidos no primeiro turno, cabe uma ressalva. Desta
vez, ele obteve só cerca de 230 mil
votos a mais do que em 1995
-num universo de quase 40 milhões de eleitores. Assim, seu expressivo avanço percentual se deu
por conta do aumento do índice
de abstenção, que chegou a 28,4%
anteontem (21,6% em 1995).
Todavia isso não explica a debacle dos partidos tradicionais franceses. Afinal, o presidente Jacques
Chirac, que enfrentará Le Pen no
segundo turno, e o premiê Lionel
Jospin, o maior perdedor do primeiro turno, não chegam juntos a
40% dos votos válidos, o que denota o desencanto dos eleitores
em relação ao establishment.
"Há vários fatores que explicam
o ocorrido. Primeiro, como os
principais candidatos vinham de
cinco anos de coabitação bastante
pacífica, todos pensaram que eles
iriam enfrentar-se no segundo
turno, o que causou certa desmobilização dos eleitores", apontou
Jean Chiche, do Centro de Estudo
da Vida Política Francesa.
"Segundo, há a crise de identidade dos dois maiores partidos, o
Partido Socialista [de Jospin" e a
Reunião pela República [de Chirac". Isso acarretou o aparecimento de diversos candidatos de
esquerda e de direita, que "roubaram" votos das formações tradicionais. Terceiro, durante a campanha, Chirac insistiu na questão
da insegurança. Ora, esse é o tema
preferido da extrema direita há
décadas", acrescentou.
Com efeito, a coabitação (situação em que o presidente é de um
partido e o premiê, de outro), que
existiu pela primeira vez em 1986,
parece ter confundido o eleitorado desde 1997, quando Jospin assumiu o posto de premiê. Como
ambos atravessaram calmamente
os últimos cinco anos, muitos
franceses passaram a não ver
grande diferença entre eles.
Ademais, segundo os analistas
ouvidos pela Folha, a campanha
de Jospin foi desastrosa. "O premiê não conseguiu definir que linha privilegiaria durante a campanha. Só enfatizou seu discurso
de esquerda no fim, quando viu
que estava em perigo", disse Anne-Marie Le Gloannec, diretora
do Centro Marc Bloch, um instituto de pesquisas franco-alemão.
Além disso, todas as acusações
de corrupção que pesam sobre
Chirac também contribuíram para uma forte rejeição do establishment. "Muitos eleitores vêem os
políticos como uma classe à parte,
sem verdadeiro vínculo com a sociedade", explicou Chiche. Isso,
para ele, explica em parte o alto
índice de abstenção.
Talvez ainda mais preocupante
seja o fato de que Chirac -que
deverá vencer o segundo turno-
só obteve os votos de cerca de 14%
do eleitorado total. Assim, se o
centro-direita não conquistar
uma vitória clara na eleição legislativa (assegurando o posto de
premiê), as instituições estarão
em risco. "Se houver uma nova
coabitação, a Quinta República
será posta em xeque. Afinal, os
franceses estão cansados desse
sistema em que ninguém sabe
quem manda", analisou Chiche.
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