São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2000


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COMENTÁRIO

Na guerra civil colombiana, a verdade é a vítima

CLÓVIS ROSSI
DO CONSELHO EDITORIAL

Já se disse que, na guerra, a primeira vítima é sempre a verdade. A guerra, neste caso a guerra civil travada na Colômbia, parece ter feito da verdade a vítima mais uma vez, na semana passada.
Trata-se do caso de Elvia Cortés, pequena fazendeira, 55 anos, assassinada com a detonação de um colar de explosivos colocado por desconhecidos em volta de seu pescoço.
O colar explodiu nove horas e 35 minutos depois de colocado em Elvia, na segunda-feira, 15, quando especialistas tentavam desativá-la.
Imediatamente, as forças de segurança culparam as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), que lutam há quase meio século contra o governo colombiano e contra grupos paramilitares de direita, numa guerra que matou 35 mil pessoas só nos últimos dez anos.
Mais: o presidente Andrés Pastrana, que, desde a sua posse há dois anos, tenta levar adiante um processo de paz com a guerrilha, suspendeu as negociações, ante o inevitável e explicável horror provocado pelo atentado (horror reproduzido em todos os grandes meios internacionais de comunicação).
"Não há palavras para repudiar essa ação, pela qual até as bestas se envergonhariam", disse Pastrana na ocasião.

Repúdio
Não adiantou as Farc emitirem comunicado oficial, três dias depois, negando a autoria do crime e, ao contrário, repudiando-o energicamente.
Agora, o governo é o primeiro a admitir a possibilidade de inocência das Farc. "Está cada vez mais claro que as Farc não são responsáveis pelo assassinato com o colar-bomba de Elvia Cortés", disse, anteontem, Camilo Gómez, alto comissário para a paz, ao anunciar a retomada das conversações com a guerrilha.
Explica-se, mas não se justifica, o fato de que a verdade tenha sido atingida na guerra de informações que faz parte inexorável de toda guerra.
Explica-se, em primeiro lugar, porque as Farc já haviam desmentido antes atentados pelos quais finalmente se comprovou que eram responsáveis.
Mas não se justifica porque havia elementos suficientes para que dedos acusadores não fossem apontados em qualquer direção antes de uma investigação mais aprofundada.

Esmeraldas
A revista colombiana "Semana", por exemplo, ouviu do prefeito de Chiquinquirá (a cidade onde ocorreu o crime contra a fazendeira) que "aqui não opera nenhuma frente das Farc".
Os parentes da vítima disseram à mesma revista ter certeza de que o fato nada tem a ver com o grupo guerrilheiro.
Preferem atribui-lo a delinquentes comuns (os autores do atentado exigiram 15 milhões de pesos ou US$ 7.500 para desativar o artefato explosivo).
Há ainda a suspeita de que o crime possa estar relacionado com as atividades dos comerciantes de esmeraldas (a Colômbia é uma grande produtora).
Seja como for, o fato é que o processo de paz na Colômbia tem inimigos suficientes para que qualquer um deles se anime a praticar atos que o inviabilizem, jogando a culpa em terceiros.


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