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São Paulo, segunda-feira, 23 de junho de 2003

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Bush exagerou perigo iraquiano em discursos pré-guerra, diz jornal

ROBERTO DIAS
DE NOVA YORK

O presidente dos EUA, George W. Bush, exagerou o perigo representado pelo regime iraquiano em pelo menos dois importantes discursos antes da guerra, apontou ontem o jornal "The Washington Post".
O diário teve acesso a documentos secretos do serviço de inteligência do país. Os papéis, diz o "Post", mostram que o presidente americano declarou publicamente ter informações que, ao menos na época, ainda não haviam sido confirmadas pelo seu governo.
A revelação surge em um final de semana em que meios de comunicação americanos discutiram o que Bush chamou, há uma semana, de "revisionismo histórico": no caso, o questionamentos aos argumentos que justificaram o ataque ao Iraque.
Além do "Post", também dedicaram atenção ao tema o jornal "The New York Times", as revistas "Time" e "The Nation" e a rede de televisão CNN.
Em discurso feito em outubro e transmitido pela televisão americana, Bush disse que o Iraque representava perigo para os EUA porque o governo tinha evidências de que o regime de Saddam Hussein mantinha laços com a organização terrorista Al Qaeda.
Mas, publicou o "Post", um relatório feito à época com as informações recolhidas pelos diversos braços da inteligência americana usava linguagem mais cautelosa e colocava em dúvida a confiabilidade da informação.
Bush chegou a dizer que as ligações entre Saddam e a Al Qaeda "ocorriam há uma década".
O que a inteligência americana sabia, porém, era um tanto diferente. O relatório concluiu que houve sim contatos entre Saddam e a Al Qaeda -mas no início dos anos 1990, quando a organização terrorista ainda engatinhava. À época, ambos tinham como principal alvo o governo saudita, então um aliado fundamental dos EUA no Oriente Médio.
O texto conclui que não se sabia se esses contatos continuaram a ocorrer desde então, como indicou Bush em seu discurso.

Estado da União
Em outra importante aparição, o tradicional "discurso sobre o estado da União", feito em janeiro, Bush apontou que o Iraque retomara seu programa nuclear, usando como base para isso apuração da inteligência britânica, segundo a qual o país estaria comprando urânio na África.
Mas, disse o "Post", um enviado da CIA a Níger meses antes relatou que o governo de lá negava tal informação e apontou que documentos que comprovariam a venda teriam sido forjados.
Os documentos da inteligência americana foram revelados após a primeira semana de trabalho da comissão de deputados americanos que investiga a apuração que levou à guerra. Pressionado pela oposição democrata, o Senado poderá abrir inquérito parecido.
Já o "New York Times" abordou o assunto em análise intitulada "Bush pode ter exagerado, mas será que ele mentiu?"
Levando o "revisionismo histórico" ao extremo, o jornal lembrou casos de outros presidentes americanos que tiveram suas declarações contestadas.
Apontou que as afirmações sobre o Iraque são para Bush o que a guerra do Vietnã representou para a credibilidade de Lyndon Johnson (1963-69), o Watergate para a de Richard Nixon (1969-74) e as escapulidas sexuais para Bill Clinton (1993-2001).
As dúvidas sobre as declarações de Bush antes da guerra reavivam o bloco que se opôs ao ataque.
Em anúncio publicado na semana passada, a ONG MoveOn anunciou o início de uma campanha para solicitar que o Congresso instale uma comissão especial sobre o assunto. "O presidente levou o país à guerra baseado na asserção de que o Iraque representava ameaça iminente. Agora, a evidência que embasou essa afirmação está sendo derrubada."

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