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ANÁLISE AMÉRICA LATINA
Tensão escancara 2 projetos messiânicos
Eliminação do narcoterrorismo por Uribe e "socialismo do século 21" de Chávez estão por trás de conflito atual
NADA COMO UM INIMIGO EXTERNO PARA ESQUECER QUE A VENEZUELA SERÁ A ÚNICA ECONOMIA A RETROCEDER EM 2010
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CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA
O rompimento de relações
entre Venezuela e Colômbia
parece a materialização diplomática de um choque entre dois projetos messiânicos, o do presidente colombiano, Álvaro Uribe, e o de
seu colega venezuelano, Hugo Chávez.
O projeto de Uribe passava
acima de tudo pela aniquilação do narcoterrorismo, em
especial o das Farc, com o
pleno respaldo dos EUA.
Em seus oito anos de governo, Uribe deu grandes
passos nessa direção, mas
não conseguiu completá-lo.
No percurso, chocou uma
e outra vez com a Venezuela
de Chávez, cujo projeto, bem
mais trombeteado internacionalmente, é o "socialismo
do século 21".
Passa, inexoravelmente,
por enfrentar cotidianamente o "império", os Estados
Unidos da América, o grande
respaldo de Uribe.
Na prática, um precisa do
outro, como contraponto,
para ganhar ou reforçar internamente os respectivos
projetos.
PROVAS ANTIGAS
Essa necessidade explica o
rompimento de relações.
Por que Uribe apresentou
o que considera provas da
presença de líderes das Farc
em território venezuelano a
apenas três semanas de deixar o cargo? Afinal, algumas
das provas são antigas, até
dos anos 1990.
Há duas respostas: a primeira está em artigo de Carlos Romero, cientista político
venezuelano para a revista
da Fundação Friedrich Ebbert, da social-democracia
alemã: o novo governo colombiano, de Juan Manuel
Santos, embora delfim de
Uribe, "procurará restabelecer um clima favorável às relações bilateral [com a Venezuela] e regional, a promover
a segurança fronteiriça e a
restabelecer o intercâmbio
comercial".
Se é assim e se Uribe acredita, como o demonstra sempre, que tem a absoluta convicção de que a Venezuela é
um santuário para as Farc, o
projeto de aniquilá-las ficaria
debilitado.
CAMINHO LIMPO
Segunda resposta, em artigo da também venezuelana
Maria Teresa Romero para o
jornal "El Universal": a divulgação das provas agora não é
para torpedear Santos, mas,
ao contrário, para "deixar a
Santos o caminho mais limpo possível para que este
possa iniciar a Presidência
com bom pé".
Posto de outra forma, Uribe confiaria em que seu projeto seria levado adiante por
Santos, que, afinal, foi o principal líder do implacável
combate às Farc.
Do lado de Chávez, interessa acentuar agora o clima
belicista em relação a Uribe
para tentar tapar a coleção de
problemas internos, ainda
mais na antevéspera das eleições legislativas que são fundamentais para o projeto do
presidente.
SÓ MELHOR QUE O HAITI
Nada como um inimigo externo para tentar fazer esquecer que a Venezuela será neste ano, segundo a Cepal, o único país latino-americano
a retroceder economicamente (3%), fora o Haiti, claro.
No ano passado, já houvera uma retração até maior (-3,3%).
Some-se uma inflação recorde na região e tem-se em
tese o pior cenário para um
governo enfrentar uma votação, qualquer que ela seja.
Jogos de cena à parte, permanece a necessidade de esclarecer a relação entre a Venezuela e as Farc.
Pelo que a Folha ouviu de
delegados na reunião de ontem da OEA, nem as provas
apresentadas pela Colômbia
são contundentes nem a defesa do embaixador venezuelano as destrói.
O mais razoável é supor
que Chávez vai esperar a posse de Santos, no dia 7, e algum sinal, por mínimo que
seja, do novo presidente para
deixar claro que o rompimento de ontem é com Uribe,
não com a Colômbia.
Como Santos tem todo o
interesse em recuperar o fluxo comercial (que caiu de
US$ 6,514 bilhões em 2008
para apenas US$ 2,6 bilhões
em 2009, por conta das restrições impostas por Chávez),
há espaço para estacionar o
messianismo em nome dos
negócios.
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