São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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GUERRA AO TERROR

Antes céticos, serviços de segurança do continente agora dão mais crédito aos alertas norte-americanos

Al Qaeda reestruturada preocupa Europa

JEAN-PIERRE STROOBANTS
DO "LE MONDE", EM BRUXELAS

Os serviços de segurança de países europeus encarregados da prevenção ao terrorismo abandonaram o ceticismo que demonstraram no início deste mês, quando os Estados Unidos elevaram o nível de alerta contra um iminente ataque.
Na época o governo do presidente George W. Bush estava sob a suspeita de manipular o noticiário para esvaziar a convenção democrata em Boston que oficializaria a candidatura de seu adversário, John Kerry.
Mas bastaram três semanas de análises de novas informações colhidas no Paquistão e no Reino Unido para que se constatasse algumas graves novidades, como a descentralização da rede terrorista Al Qaeda, hoje em busca de maior eficácia.
Dentro dela, grupos autônomos de terroristas passam a recrutar radicais menos suspeitos aos olhos dos serviços de segurança. Os preparativos aos atentados são, portanto, mais dificilmente identificáveis.
Essa forma mais dissimulada de estruturação da Al Qaeda constitui tema de divergência entre os EUA e os europeus.
Enquanto Washington acredita que a organização funciona segundo uma rígida hierarquia que tem o saudita Osama bin Laden no comando, na Europa é mais recorrente a tese de descentralização.
Um desses núcleos descentralizados reuniu-se no Paquistão, em região que faz fronteira com o Afeganistão. Mohammed Djounaid Babar, cidadão americano de origem paquistanesa, preso nos EUA, confessou ter participado do encontro.

Recrutamento
Os europeus também descobriram que o recrutamento se dá preferencialmente entre pessoas com "aparência de cristãos" e de mulheres que não tenham a aparência de árabes. Por sua vez, os americanos suspeitam de pessoas de origem tchetchena ou de europeus imigrados aos Estados Unidos nos anos 90.
Os britânicos, que seriam o principal alvo de futuros atentados, também acreditam que a Al Qaeda se estrutura de formas inéditas.
A prisão de Abou Issa Hindi, de 32 anos, permitiu ter acesso a planos que indicam a possibilidade de atacar a Bolsa de Valores de Nova York e prédios do Fundo Monetário Internacional e do Citigroup.
Hindi tinha autonomia de ação e teria se avistado com Bin Laden pela última vez antes de 2001, quando então lhe foi confiada a tarefa de identificar alvos "financeiros e judaicos". Ele nasceu na Índia, algo bastante raro entre os terroristas.
Há ainda a prisão em março, no Reino Unido, de oito britânicos de origem paquistanesa que armazenavam um produto que poderia ser transformado em explosivos. O fato deixou claro que se recrutava sobretudo entre imigrantes, com raízes comunitárias que os sauditas responsáveis pelo 11 de Setembro não tinham nos Estados Unidos.
Os serviços secretos europeus compreenderam que não bastava priorizar a caça ao terrorismo em gestação entre árabes que haviam combatido os russos no Afeganistão
Os europeus também levam a sério o empenho do governo paquistanês na desmobilização dos terroristas que se articulam em seu território. Entre os 60 presos em meados de julho se encontrava Mohammed Naim Khan, um técnico em informática de 25 anos que abriu informações sobre planos de ataques aos Estados Unidos e Reino Unido.
Homem de ligação entre a cúpula da Al Qaeda e núcleos dispersos, Khan armazenava em seu computador informações que o qualificavam como "oficial superior", com contatos constantes, por exemplo, com seis militantes baseados nos Estados Unidos, país que ele visitava, a exemplo do que fizera na Malásia, Indonésia e Nepal.
O governo paquistanês queixou-se aos europeus de que os Estados Unidos foram indiscretos ao revelar a identidade de alguns dos extremistas presos. Caso não o fizessem, outros terroristas poderiam ser neutralizados em outros países.
Os serviços europeus não sabem como lidar com a hipótese de que Bin Laden está com sua influência em baixa. Constatam que uma mensagem dele, anunciada por websites islâmicos, não foi ainda difundida. Ou ele tem dificuldades suplementares de comunicação a partir de seu esconderijo, ou então não chegou o momento de, por exemplo, transmitir algo cifrado que prenuncie um novo atentado.


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