São Paulo, domingo, 23 de agosto de 1998

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Deportados latino-americanos passavam por "desinfecção'

da enviada especial

"Como é possível ser mandado para fora de um país só por motivos raciais?", pergunta Miyoko Mishima de Sakata, 63, peruana deportada aos Estados Unidos aos 9 anos de idade.
Em março de 1944, Miyoko e sua irmã Yuriko, então com 12 anos, foram mandadas junto com os pais para o campo de concentração de Crystal City, no Texas, para onde foi a maior parte dos deportados do Peru.
O pai, Shoichi Michima, era um comerciante próspero de Lima. A família morava no bairro de San Isidro, considerado de classe alta na época, diz Yuriko.
Quando estourou a guerra, Michima, assim como outros imigrantes japoneses, teve sua conta bancária bloqueada e os bens confiscados pelo governo peruano, aliado dos norte-americanos.
Segundo Yuriko, foram três semanas de viagem de navio, que saiu do porto de Callao, no Peru, e chegou a Nova Orleans, nos EUA.
Em Nova Orleans, os deportados eram levados a locais onde homens e mulheres eram separados e forçados a tirar as roupas, para depois passarem por um processo de "desinfecção". "Foi humilhante", diz Yuriko.
De lá, partiam de trem para a região desértica do Texas até o campo de Crystal City, onde eram separados por famílias nos alojamentos. Tal trajetória foi semelhante à de outros nipo-peruanos enviados aos Estados Unidos.
Nos campos, recebiam cartões de racionamento para comida e roupas. Os banheiros, assim como os refeitórios, eram coletivos.
Segundo os relatos, os internos não foram torturados nem obrigados a trabalhar. "Não foi como nos campos nazistas da Alemanha", diz Germán Yaki. Segundo ele, quem quisesse trabalhar recebia uma quantia que era "igual para médicos ou jardineiros".
As pessoas mais velhas não gostam de falar sobre o período de internação, diz Tomaz Hayashi, 56, levado para Crystal City quando era bebê.
Segundo ele, após a guerra, seu pai, um importador de tecidos que tinha 24 anos quando fora mandado para os EUA, evitou durante muitos anos tocar no assunto.
"Os mais velhos sofreram mais psicologicamente. Sentiam-se como prisioneiros, impedidos de sair, vigiados por torres com soldados. Nós, que éramos crianças, não tínhamos essa consciência", afirma.
Hayashi atribui o silêncio do pai à suposta característica oriental, de "guardar os sentimentos" e não expressá-los, como fazem os latino-americanos. (LH)



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