São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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Reforma foi ampla, diz assessor de Annan

FABIANO MAISONNAVE
DA REDAÇÃO

Até o final do mês representante no Brasil da ONU e do Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), o guineense Carlos Lopes, 45, assumiu no dia 1º de setembro o cargo de diretor político do secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan.
Nesta entrevista à Folha, concedida na semana passada durante rápida passagem por São Paulo para o lançamento do livro "Cooperação e Desenvolvimento Humano" (Unesp), o novo "braço direito" de Annan disse que, mesmo sem ter incluído o Conselho de Segurança (CS), a recente reforma da ONU foi a maior da história da instituição.
 

Folha - A ONU passa por um processo frustrante de reformas. O que afeta a ONU caso as mudanças não saiam num curto prazo?
Carlos Lopes -
A mensagem principal do secretário-geral era dizer que, no princípio do ano, estávamos com um nível de expectativa elevado sobre a reforma da ONU, porque precisamos de uma ONU capaz de enfrentar os desafios do novo milênio, e a que temos não está bem apetrechada. Aliás, uma parte dos problemas constatados com relação à Guerra do Iraque, o programa Petróleo por Comida, todas essas questões têm a ver com as deficiências institucionais da ONU, e não com a ação desse ou daquele indivíduo.
É preciso uma ONU que possa enfrentar os problemas da guerra preventiva, da soberania, que possa dar resposta às ameaças de terrorismo, àquilo que a globalização traz.
Quando chegou a cúpula de Nova York, em setembro, só conseguimos metade do cardápio de reformas. Ainda assim, é a maior reforma desde a fundação da organização. Mas é evidente que, por causa de as expectativas serem tão altas, as pessoas se concentraram na parte que falta.

Folha - Quais são as mudanças que Annan considera positivas?
Lopes -
Por exemplo, a transformação de uma parte do direito internacional em direito de proteção pela primeira vez sendo admitido dentro das Nações Unidas, a criação de uma comissão para a consolidação da paz, a criação do Conselho dos Direitos Humanos e a duplicação do orçamento do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, entre outros.
Não foi pouco. Mas faltam algumas coisas importantes. As mais importantes, sem dúvida: não se ter avançado no dossiê da proliferação do desarmamento [nuclear] e não se ter avançado na reforma do CS.

Folha - A reforma da CS virou uma obsessão para o Brasil. É uma campanha bem conduzida?
Lopes -
É evidente que o fato de ter havido uma iniciativa do secretário-geral, primeiro com a criação de um conselho de sábios e depois com a publicação do seu relatório, em que o CS é considerado uma chave fundamental para democratizar o sistema de decisão da organização, acelerou a vontade dos países de saber como esse pedaço da reforma iria ser feito. Qualquer governo com pretensões mais ou menos radicais sobre essa matéria teria de usar o momento para acelerar as coisas, e foi o que fez o Brasil.
Isso não quer dizer que seja fácil. Não se chegou a um acordo, portanto já foi enviado para uma fase posterior. Mas já ficaram aprovados alguns princípios dessa reforma. Um deles é que deve haver uma maior representatividade do CS e que essa representatividade deve ter uma distribuição regional. Está a se avançar, mais lentamente do que se pensava, mas está a se avançar. E mesmo os EUA não negam a necessidade de alargamento do CS. Pode não haver acordo sobre o número, sobre como, mas ninguém nega que esse alargamento é necessário.

Folha - A missão da ONU no Haiti está atrasada?
Lopes -
O sucesso das operações de manutenção da paz depende da sua durabilidade. É um erro comum que as operações de paz sejam encerradas em pouco tempo e que se pense que vai haver uma panacéia que vai resolver os problemas que levaram determinada sociedade a uma crise tão profunda. Isso é verdade não só para o Haiti, mas também para todas as missões para a manutenção da paz.
As missões que foram bem-sucedidas, como Namíbia, Camboja, Moçambique e, mais recentemente, Timor Leste, são missões que não se fecham depois de alguns ganhos, mas continuam até conseguir uma consolidação total com relação à governança, permitindo ao país sair completamente da crise.


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