São Paulo, domingo, 24 de janeiro de 1999

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"FEMINISMO PRAGMÁTICO"
Sul-africana Christina Landman defende a prática, comum entre muçulmanos e africanos
Teóloga receita poligamia contra divórcio

ALEXANDRA OZORIO DE ALMEIDA
da Revista da Folha

A poligamia como solução para os problemas de divórcio, infidelidade e doenças sexualmente transmissíveis. A proposta partiu de Christina Landman, 42, a primeira mulher africânder (minoria branca da África do Sul) a se tornar professora catedrática de teologia em seu país, em 1991.
Em 1994, ela promoveu uma polêmica com a Igreja Reformada Holandesa, da qual é membro, ao publicar "The Piety of Afrikaans Women" (A piedade das mulheres africânderes). Nesse livro, argumenta que o mesmo calvinismo que autorizaria os homens brancos a aderir ao apartheid também os levaria a oprimir suas mulheres.
Professora da Universidade da África do Sul há 20 anos, Landman deixou em 1995 de se dedicar à história de Igreja para pesquisar a relação gênero-religião. Em um artigo publicado há dez dias, a teóloga causou polêmica mais uma vez.
A sua tese, que começou como um "entretenimento", argumenta que um casamento poligâmico poderia acabar com "infidelidades e diminuir a incidência de doenças sexualmente transmissíveis". Christina Landman concedeu, por telefone, essa entrevista à Folha, de Pretória, na África do Sul.
² Folha - Qual é a atual discussão sobre poligamia na África do Sul?
Christine Landman -
As teólogas negras africanas estão olhando para as suas culturas e tentando resgatar o que é bom para as mulheres. Em dezembro passado, durante o Conselho Mundial de Igrejas em Harare, (Zimbábue), algumas igrejas protestantes africanas pediram para ser admitidas no Conselho, mas foram recusadas porque tinham líderes polígamos. Isso causou muita discussão. E vai ser promulgada a Lei de Reconhecimento de Casamentos Baseados em Costumes, que tornará a poligamia legal nesses casos.
Folha - Qual sua posição em relação à poligamia?
Landman -
Escrevo sobre religião no "Beeld", um jornal africânder. Na minha coluna do dia 14, decidi testar a idéia da poligamia entre os brancos. Essa lei que foi criada é discriminatória, já que não vale para a minoria branca. Temos altíssimas taxas de divórcio e muitas mulheres que não conseguem se casar de novo. Um casamento poligâmico poderia acabar com essas infidelidades e diminuir a incidência de doenças sexualmente transmissíveis. Escrevi mais como entretenimento, mas o artigo teve enorme repercussão.
Folha - Como foi a reação?
Landman -
As pessoas discutem se a poligamia é cultural ou religiosa. Gostaria que o casamento fosse dissociado de suas fortes raízes religiosas e que a poligamia não fosse encarada como um pecado contra Deus. Nem mesmo a Bíblia é conclusiva. Houve reações positivas e negativas. Mulheres solteiras e divorciadas responderam bem à idéia.
Folha - Como se dá o casamento na sociedade sul-africana branca?
Landman -
É algo muito valorizado, o único tipo válido de relacionamento entre adultos. Os homens brancos têm relacionamentos amorosos simultâneos, um tipo de poligamia turva. Quando descobrem, a melhor forma de ferir o marido é divorciando-se deles, pois o marido perde status na sociedade. Mas elas passam a vida lamentando o fato e dizem que teria sido melhor manter o casamento e aceitar uma nova parceira, ou algo assim. A mulher só pode encontrar uma "casa" para a sua sexualidade no casamento, mas as oportunidades são limitadas aqui.
Folha - É viável legalizar a poligamia para brancos?
Landman -
A África é toda polígama. Algumas igrejas estão encorajando a poligamia por causa da Aids e do divórcio, para evitar a promiscuidade e dar um lar às mulheres. Acho que entre os brancos demoraria muito tempo para funcionar, por causa da cultura. Mas recebi cartas dizendo que já vivemos em poligamia, pois cerca de 70% dos homens africânderes têm amantes. Romantizamos a monogamia. Foi bom expor a sociedade a isso. Após tanta discussão, convenci-me de que a poligamia talvez seja uma opção de "cura"', embora ache que isso não ocorrerá.
Folha - Para que a sra. gostaria que a poligamia servisse?
Landman -
Sinto-me desconfortável valorizando tanto o casamento, mas a nossa sociedade só reconhece esse tipo de relacionamento. Gostaria que as mulheres tivessem poder nos relacionamentos e pudessem escolher a que homem ou família se uniriam.
Folha - A sra. faz parte de uma igreja conservadora. Como ela reagiu ao seu artigo?
Landman -
A Igreja Reformista Holandesa abriu espaço para discutir o assunto e não ameaçou me expulsar. Acho isso impressionante, especialmente para uma igreja que nunca deu atenção à voz das mulheres.



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