São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

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EUROPA

Governo aperta o cerco contra estrangeiros ilegais, regularização fica mais rígida e cresce o número de expulsões

Nova lei espanhola ameaça imigrantes brasileiros

Lilian Christofoletti/Folha Imagem
Anésio Malaquias, que entrou na Espanha em fevereiro com visto de turista, válido por três meses


LILIAN CHRISTOFOLETTI
DE MADRI

A promessa do governo espanhol de endurecer o trato com os imigrantes ilegais e aumentar o número de expulsões preocupa os cerca de 10 mil brasileiros que vivem hoje de forma irregular na Espanha e que não desejam voltar para o Brasil.
A Espanha deu até o final de julho para que o imigrante ilegal regularize sua situação. A proposta é válida para quem entrou no país antes de 23 de janeiro deste ano, quando foi aprovada a Lei de Estrangeiros. Após esse período, o governo promete aplicar com rigor a lei, considerada uma das mais duras contra imigrantes.
"Esse será um mês de flexibilização da Lei de Estrangeiros", afirmou o ministro do Interior, Mariano Rajoy. "Queremos ajudar aqueles que estão no país e que estão dispostos a trabalhar em uma situação regular. Mas depois desse período, não haverá mais regularizações."
No entanto a proposta da Espanha é vista com descrédito pelos brasileiros, que temem que essa seja uma estratégia para localizá-los e depois expulsá-los. No ano passado, quando anunciou uma anistia aos ilegais, o governo recebeu cerca de 220 mil pedidos, mas aprovou menos de 10%.
"Conheço brasileiros que deram entrada nos papéis e, quando foram chamados para a regularização, foram expulsos no mesmo dia. Saíram daqui só com a roupa do corpo", afirmou Antonio Carlos, 29, que faz parte do contingente de 8.120 brasileiros que residem legalmente na Espanha.
Os consulados do Brasil na Espanha afirmam que o número de expulsões de brasileiros aumentou neste ano, após a aprovação da Lei de Estrangeiros. A média mensal de dez casos passou para cerca de 25 ou 30 e a expectativa é que esse número cresça.
Ainda de acordo com os consulados, o número de ilegais que desembarcam no país todo ano em busca de dinheiro fácil também aumenta, embora a maioria dos imigrantes que já fizeram a viagem reconheça que a vida no país é difícil. "Os brasileiros que chegam passam fome. Vêm com muitos sonhos e encontram um país difícil", disse Antonio Carlos, que há oito anos toca pandeiro em bares de Madri.

Sem estabilidade
Segundo ele, a garantia de um salário de R$ 2 mil por mês é um privilégio para os brasileiros, normalmente convocados para trabalhos de baixa remuneração e sem nenhuma estabilidade. "Tive muita sorte, mas isso é quase uma exceção. A vida na Espanha é muito difícil, principalmente para as mulheres. O problema da prostituição é muito grande", afirmou.
A situação é ainda mais complicada para aqueles que não falam espanhol e não dispõem de contrato de trabalho ou vínculo familiar no país. Esse é o quadro mais comum entre os brasileiros, que procuram a ajuda de advogados latino-americanos para tentar obter a regularização.
Os advogados cobram de R$ 1,5 mil a R$ 3 mil pelo trabalho de preencher papéis e apresentar cópias de documentos, sem a garantia de que o imigrante será aceito pelo país.
"Esse negócio de a Espanha pedir todos os dados para depois legalizar a situação é meio estranho. Não falo nada de espanhol, mas quero esse visto. Contratei uma advogada equatoriana, casada com um brasileiro, para me ajudar", disse Anésio Malaquias, 47, um carioca que entrou no país em fevereiro com o visto de turista, válido por três meses.
Sem trabalho fixo, Malaquias disse que não espera voltar para o Brasil. "Fiquei 12 anos no Rio de Janeiro desempregado, fazendo bicos, não ganhava mais do que R$ 300 por mês. Aqui faço um pouco de tudo, tiro um salário mínimo por mês (cerca de R$ 1.200), tenho celular, pago meu aluguel e ainda tenho dinheiro."
Diferentemente de Malaquias, muitos brasileiros que estão ilegais no país não pretendem dar entrada no processo de regularização, como exige o governo espanhol.

"Pedreiro, pintor e garçom"
"Não preciso desse documento. O governo quer nos expulsar. Estou aqui há seis meses e nunca tive problemas. Sou pedreiro, pintor, garçom e, às vezes, faço programas em boates ou na rua. Trabalho tem, o problema é estar disposto a fazer um pouco de tudo", disse o paranaense Jeferson S., 28, que pediu para que seu sobrenome não fosse publicado.
"Minha família está feliz no Brasil porque mando dinheiro todos os meses, mas não sabe o que eu faço", diz Jeferson. "Para sobreviver, não tenho nenhum preconceito, onde pagar mais, eu vou."



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