São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2004

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Potências têm que agir logo, afirma médico

VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO

Para o coordenador-geral da ONG Médicos sem Fronteiras no Sudão, o neozelandês Greg Elder, 36, a ONU e as agências humanitárias internacionais não têm meios de impedir as mortes que acontecerão nos próximos meses. Segundo Elder, somente uma intervenção das grandes potências ocidentais pode diminuir a escala da tragédia. Leia a seguir trechos da entrevista concedida por telefone à Folha de Cartum.
 

Folha - Essa é a pior crise humanitária do mundo hoje?
Greg Elder -
Está caminhando rumo a se tornar a pior crise, em termos numéricos. Mais de 1,2 milhão de pessoas foram desalojadas em Darfur. A estação de chuvas vai trazer diarréia, cólera e malária para uma população enfraquecida pela falta de comida e vivendo sem condições sanitárias, em campos lotados e com insegurança prolongada. Tudo isso cria condições para uma grave crise humanitária, com altas taxas de mortalidade.

Folha - Quantas pessoas morreram até agora?
Elder -
É bem difícil calcular. Fizemos uma pesquisa no campo de refugiados de Mornay, que abriga 80 mil pessoas, e chegamos à conclusão de que cerca de 5% da população [4.000] morreu. Em Mornay, estamos vendo 200 pessoas morrerem a cada mês. E está prestes a ficar ainda pior devido às chuvas.

Folha - Qual a sua avaliação da atuação do governo do Sudão?
Elder -
O governo pôs um monte de obstáculos às ONGs e à ONU. No último mês, houve uma mudança, com a constatação de que a situação humanitária agora está quase fora de controle. Isso também é uma indicação da magnitude do problema.

Folha - O governo é responsável pela crise?
Elder -
Eles usaram uma estratégia já usada no passado, que era armar e equipar milícias. Elas receberam uma ordem para limpar as vilas não-árabes e tirar todas as pessoas.

Folha - A ONU está agindo mais rápido do que em Ruanda?
Elder -
A ONU certamente está agilizando suas atividades. Mas não achamos que neste momento ela será capaz de aumentar suas operações com rapidez para evitar a deterioração na saúde e na nutrição.

Folha - Qual seria a solução?
Elder -
O principal problema é logístico. A distribuição de alimentos vai precisar de uma grande frota de caminhões e aviões e talvez até helicópteros para chegar a algumas das áreas que ficarão inatingíveis pelas chuvas. Precisamos examinar a alternativa dos militares, para fornecer o apoio logístico necessário.

Folha - É preciso uma intervenção ocidental?
Elder -
Essa deve ser provavelmente a única coisa capaz de impedir a fome no oeste do Sudão, no momento. A bola agora está nas mãos da comunidade internacional. Eles sabem quais são os números.
Estamos um pouco desapontados porque os primeiros sinais de alarme foram dados há alguns meses. Achamos que a resposta tem sido vagarosa. Não vamos impedir bolsões de fome e de alta mortalidade. Mas conseguiremos minimizá-los se houver uma reação internacional forte e eficiente.

Folha - O país pode permanecer unido após a crise?
Elder -
A situação em Darfur complica o cenário político. O que estamos vendo é um reflexo do que aconteceu entre o norte e o sul. Uma parte do país se sente marginalizada, excluída e subdesenvolvida. É muito fácil simplificar o conflito no Sudão como alguma coisa de origem tribal, entre raças. É mais complicado que isso. É principalmente sobre o acesso a recursos naturais e o direito sobre as terras.


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