Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Potências têm que agir logo, afirma médico
VITOR PAOLOZZI
DA REDAÇÃO
Para o coordenador-geral da
ONG Médicos sem Fronteiras
no Sudão, o neozelandês Greg
Elder, 36, a ONU e as agências
humanitárias internacionais
não têm meios de impedir as
mortes que acontecerão nos
próximos meses. Segundo Elder, somente uma intervenção
das grandes potências ocidentais pode diminuir a escala da
tragédia. Leia a seguir trechos
da entrevista concedida por telefone à Folha de Cartum.
Folha - Essa é a pior crise humanitária do mundo hoje?
Greg Elder - Está caminhando
rumo a se tornar a pior crise,
em termos numéricos. Mais de
1,2 milhão de pessoas foram
desalojadas em Darfur. A estação de chuvas vai trazer diarréia, cólera e malária para uma
população enfraquecida pela
falta de comida e vivendo sem
condições sanitárias, em campos lotados e com insegurança
prolongada. Tudo isso cria
condições para uma grave crise
humanitária, com altas taxas
de mortalidade.
Folha - Quantas pessoas morreram até agora?
Elder - É bem difícil calcular.
Fizemos uma pesquisa no campo de refugiados de Mornay,
que abriga 80 mil pessoas, e
chegamos à conclusão de que
cerca de 5% da população
[4.000] morreu. Em Mornay,
estamos vendo 200 pessoas
morrerem a cada mês. E está
prestes a ficar ainda pior devido às chuvas.
Folha - Qual a sua avaliação da
atuação do governo do Sudão?
Elder - O governo pôs um
monte de obstáculos às ONGs e
à ONU. No último mês, houve
uma mudança, com a constatação de que a situação humanitária agora está quase fora de
controle. Isso também é uma
indicação da magnitude do
problema.
Folha - O governo é responsável pela crise?
Elder - Eles usaram uma estratégia já usada no passado,
que era armar e equipar milícias. Elas receberam uma ordem para limpar as vilas não-árabes e tirar todas as pessoas.
Folha - A ONU está agindo mais
rápido do que em Ruanda?
Elder - A ONU certamente está agilizando suas atividades.
Mas não achamos que neste
momento ela será capaz de aumentar suas operações com rapidez para evitar a deterioração
na saúde e na nutrição.
Folha - Qual seria a solução?
Elder - O principal problema é
logístico. A distribuição de alimentos vai precisar de uma
grande frota de caminhões e
aviões e talvez até helicópteros
para chegar a algumas das
áreas que ficarão inatingíveis
pelas chuvas. Precisamos examinar a alternativa dos militares, para fornecer o apoio logístico necessário.
Folha - É preciso uma intervenção ocidental?
Elder - Essa deve ser provavelmente a única coisa capaz de
impedir a fome no oeste do Sudão, no momento. A bola agora está nas mãos da comunidade internacional. Eles sabem
quais são os números.
Estamos um pouco desapontados porque os primeiros sinais de alarme foram dados há
alguns meses. Achamos que a
resposta tem sido vagarosa.
Não vamos impedir bolsões de
fome e de alta mortalidade.
Mas conseguiremos minimizá-los se houver uma reação internacional forte e eficiente.
Folha - O país pode permanecer unido após a crise?
Elder - A situação em Darfur
complica o cenário político. O
que estamos vendo é um reflexo do que aconteceu entre o
norte e o sul. Uma parte do país
se sente marginalizada, excluída e subdesenvolvida. É muito
fácil simplificar o conflito no
Sudão como alguma coisa de
origem tribal, entre raças. É
mais complicado que isso. É
principalmente sobre o acesso
a recursos naturais e o direito
sobre as terras.
Texto Anterior: ONGs alertam contra tragédia no Sudão Próximo Texto: Crise nuclear: EUA mudam e sugerem negociar incentivos para a Coréia do Norte Índice
|