São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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INVASÃO PREVENTIVA

Um ano e meio após a ocupação do país, os americanos ainda não sabem como e quando encerrar a operação militar com algum êxito

Iraque virou lodaçal para o governo Bush

LUCIANA COELHO
DE NOVA YORK

DEZENOVE MESES DE ocupação do Iraque mostram que um ditador deposto equivale a pelo menos 13 mil civis iraquianos e 1.100 soldados americanos mortos, uma insurgência com cerca de 22 mil homens e US$ 120 bilhões a menos nos cofres dos EUA. A equação poderia continuar com uma coalizão militar se esfacelando, decapitações e um escândalo. Mas não há número que dê a dimensão do lodaçal em que o governo Bush se enfiou.

Bush levou seis semanas para declarar que a missão dos EUA no Iraque estava cumprida. Passado um ano e meio, não há luz no fim do túnel: a estratégia se resume a um cronograma que fixa as eleições do país para janeiro. Mais grave, não há planos de quando e como encerrar a presença militar americana com algum êxito.
Analistas de todos os escopos políticos enumeram os erros de Washington. Mais recentemente somou-se ao quadro uma série de críticas vindas de dentro do governo. Da falta de planejamento ao desmantelamento do Exército local, passando pela permissão para que a cidade de Fallujah virasse o porto seguro da insurgência, há consenso sobre os erros estratégicos. Onde, então, a população e os analistas se dividem? Em duas questões. A primeira é se Saddam Hussein era de fato uma ameaça mundial. A segunda é se o mundo está mais seguro.
Depois que Charles Duelfer, o chefe da inspeção americana de armas no Iraque, concluiu após meses de busca que Saddam não possuía um arsenal de destruição em massa quando os EUA invadiram o país, o governo teve de mudar o argumento que até então usava para justificar a guerra. A linha adotada foi a de que, mesmo sem armas prontas, o ditador buscava obtê-las e era, sim, uma ameaça à paz mundial.
Mas o relatório de Duelfer ao Senado diz que dificilmente Saddam teria meios de produzir um novo arsenal após sofrer 13 anos de sanções da ONU, depois da Guerra do Golfo (1991).
Ainda assim, boa parte dos americanos continua a pensar que a guerra foi válida. Da invasão (março de 2003) até este mês, a parcela que acha que a guerra valeu a pena caiu de 68% para 44%, segundo pesquisa do Gallup. Já os que crêem que não valeu a pena subiram de 29% para 54%.
Quanto ao mundo ter se tornado mais seguro, a resposta é "não" -ao menos para um dos principais centros de pesquisa sobre o tema. "De modo geral, o risco de terrorismo contra indivíduos e alvos ocidentais em países árabes parece ter aumentado depois da Guerra do Iraque", diz o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, do Reino Unido, em seu recém-lançado balanço militar.
Mesmo assentindo que Bush cometeu "erros colossais de julgamento" (citando o democrata John Kerry), o analista militar Max Boot, do Council on Foreign Relations, acredita que a história favoreça o presidente e sua capacidade de se manter resoluto.
"Tanto Lincoln como Roosevelt foram líderes brilhantes em tempos de guerra exatamente porque tiveram capacidade para superar as adversidades e inspirar o país rumo à vitória. É isso que Bush está tentando fazer hoje", escreveu em coluna no "LA Times".
Para Michael O'Hanlon, analista sênior da Brookings Institution e co-autor de uma análise numérica da guerra, o caminho é inverso. "O único erro do governo Bush no Iraque que ainda pode ser corrigido é a falta de legitimidade internacional. Mas acho que será preciso um governo Kerry para isso", disse à Folha. "A estratégia de saída dos EUA deve ser conter a insurgência por tempo suficiente para treinar as forças iraquianas e ir para casa em dois ou três anos, ainda que muito de sua missão não seja cumprida."

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