São Paulo, sábado, 24 de novembro de 2001

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Gore Vidal diz que ação militar dos EUA apenas nutre novos rancores

STEPHANIE HOLMES
DA REUTERS

O escritor americano Gore Vidal, 76, acusou ontem Washington de travar "uma guerra perpétua pela paz perpétua" e disse que a ofensiva militar dos EUA contra o Afeganistão está apenas nutrindo novos rancores. Num ataque mordaz à política externa americana, Vidal disse à "Reuters" que os EUA estariam melhor servidos se tentassem negociar a paz com Osama bin Laden em vez de mandarem bombardeiros para levá-lo a julgamento e matá-lo.
Vidal, um dos críticos mas duros das políticas americanas contemporâneas, tem enfrentado dificuldades para encontrar quem o ouça nos EUA e está publicando sua nova coleção de ensaios na Itália, país que adotou.
"Qualquer um pode descrever o que aconteceu, mas você tem de pensar para perceber as motivações de Bin Laden. Isso é trabalho duro e irá torná-lo bastante impopular", disse Vidal sobre os ataques suicidas de 11 de setembro em Nova York e no Pentágono, que os EUA atribuem à organização terrorista de Bin Laden.
"Bin Laden ataca os EUA num momento em que estamos entrando numa depressão mundial. É o momento mais frágil no Ocidente. Por tratar-se de uma pessoa que não nos deseja o bem, isso foi brilhantemente programado", comentou o escritor.
Por mais de meio século, Vidal vem chocando as instituições norte-americanas com comentários sobre questões políticas, culturais e sociais. Em seu novo livro de ensaios, "The End of Liberty -Towards a New Totalitarianism" (o fim da liberdade -rumo a um novo totalitarismo), o escritor critica o governo e a mídia dos EUA por não tentarem explicar as razões por trás da tragédia ocorrida em setembro.
A capa do livro mostra uma foto da cabeça da Estátua da Liberdade com a boca amordaçada por uma bandeira americana. Um dos ensaios detalha uma série de ataques dos EUA contra vários países desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-45).
O ensaio foi originalmente encomendado por uma revista americana depois de 11 de setembro, mas foi rejeitado por causa da contundência de suas críticas.
"Eu listei nesse pequeno livro cerca de 400 ataques que o governo americano fez contra outros países. Guerra não declarada. Geralmente, com a desculpa de que esses países estavam abrigando comunistas. Você ataca pessoas por tanto tempo, uma delas irá se voltar contra você", comentou o escritor.
Segundo ele, a ofensiva americana contra o Afeganistão não foi a resposta certa. "O que Osama fez não é uma guerra. Não pode ser guerra porque Osama não é uma nação. Ele é uma gangue. É como ser atingido pela máfia. Você não declara guerra à Sicília porque a máfia é da Sicília. Você não bombardeia Palermo. Você pega a polícia internacional e caça Bin Laden. E, se você for realmente uma grande nação, você o compra. Essa é a forma como cada império, desde Júlio César, tem agido", disse Vidal.
Na opinião dele, o presidente George W. Bush tinha outros motivos para prometer uma guerra longa. "Bush está gozando de 90% de popularidade, são os seus 15 minutos de fama", disse Vidal. "Não é apenas errado (atacar o Afeganistão), mas isso tem repercussões sobre as quais ele não pensou. Ele gosta de ficar por cima. Quanto mais alto você se posicionar, mais vulnerável estará ao ataque de um piloto kamikaze", observou o escritor.




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