|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
População e capacidade de mobilização serão decisivas
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Apesar da pressão ocidental
contra as fraudes eleitorais e da
obstinação russa em defender o
candidato pró-Moscou, o premiê
Viktor Yanukovich, o desfecho da
atual crise política ucraniana dependerá, sobretudo, da vontade
popular e do poder de mobilização da oposição, liderada pelo
derrotado Viktor Yushchenko.
Como demonstraram os casos
recentes da Geórgia e de Belarus, a
capacidade oposicionista de arrastar as massas para megaprotestos em praça pública tem um
papel crucial no desenlace de tensões políticas nos países que, anteriormente, pertenciam à URSS.
Em 2003, o então presidente
georgiano, Eduard Shevardnadze,
foi acusado de ordenar "graves
fraudes eleitorais" para manter-se
no controle político. Centenas de
milhares de pessoas tomaram as
ruas para protestar, e a chamada
"revolução rosa" culminou com a
posse do oposicionista Mikhail
Saakashvili, ex-aliado de Shevardnadze, poucas semanas depois.
Em Belarus, por outro lado, em
pleito também considerado fraudulento pela comunidade internacional, o presidente Alexander
Lukashenko obteve, em outubro
último, o apoio de quase 80% da
população para permanecer à
frente da cena política do país.
Embora Lukashenko seja visto
como o "último ditador" da Europa por organizações de defesa dos
direitos civis, a oposição bielo-russa não conseguiu sensibilizar a
população, e sua causa não foi levada adiante. E, bem ou mal, Lukashenko continua no poder.
O caso ucraniano é ainda mais
complexo. O país tem enorme relevância geopolítica para a Rússia
e encontra-se num cruzamento
de oleodutos e gasodutos de suma
importância para Moscou, cujo
embaixador em Kiev é ninguém
menos que Viktor Chernomyrdin, ex-premiê e ex-homem forte
da gigante estatal russa Gazprom.
Assim, o presidente Vladimir
Putin usou seu peso político para
convencer as comunidades de
origem russa e bielo-russa a votar
em Yanukovich. A iniciativa teve
sucesso, mas essas comunidades
só constituem 20% da população
ucraniana e não foram decisivas.
A vigilância internacional é,
portanto, essencial. Não se deve
ingerir nos assuntos ucranianos.
Porém também não se pode deixar que Moscou o faça, o que
ocorreu explicitamente na campanha. Para tanto, o papel de dissuasão representado pela Otan
(aliança militar) é incontornável.
Não se trata de preconizar um
enfrentamento entre forças ocidentais e russas, mas de garantir
que a vontade da população ucraniana será respeitada pelo poder
central e pela vizinha Rússia.
Ainda assim, o impasse estará
longe do fim. Sua resolução depende da atitude do presidente
Leonid Kuchma e da de seus aliados, incluindo Yanukovich.
Estes sabem que o triunfo de
Yushchenko representará um
forte abrandamento da influência
dos grupos político-econômicos
que os apóiam, que ganharam
força no processo de privatização
dos anos 90. Buscam, assim, manter um status quo "favorável".
Ademais, ao contrário de Shevardnadze, Kuchma mantém o
pagamento dos militares (oriundos de regiões russófonas em sua
maioria) em dia. Isso significa que
uma ordem para reprimir protestos poderia ser seguida à risca,
abrindo caminho para exageros.
Caberá, nesse caso, à comunidade internacional a difícil tarefa
política de impor sanções à Ucrânia contra a vontade de Moscou.
De qualquer forma, a crise é grave e só faz começar, pois o próximo presidente -pró-União Européia ou pró-Moscou- herdará
um país ainda mais dividido entre
o Ocidente e o Oriente do que nos
últimos anos, um Estado em que a
transição em direção ao Estado de
Direito e à democracia ainda segue lentamente seu árduo curso.
Texto Anterior: Eleitor votou 40 vezes, afirma observador Próximo Texto: Ásia: Funcionários da ONU seqüestrados são soltos na capital do Afeganistão Índice
|