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São Paulo, quarta-feira, 24 de dezembro de 2003

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ORIENTE MÉDIO

Ruas estão vazias e elite da cidade se muda para Europa por causa da ausência de turistas, assustados com a Intifada

Violência esvazia Natal de Belém pelo 4º ano

MICHEL GAWENDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE BELÉM

A celebração de Natal na cidade onde, segundo a tradição, nasceu Jesus serão mais uma vez modestas e sem os milhares de turistas e peregrinos que, até 1999, lotavam lojas, hotéis e restaurantes de Belém, na Cisjordânia ocupada.
Desde o início da Intifada -o levante armado palestino contra a ocupação-, em setembro de 2000, e as consequentes incursões do Exército de Israel, Belém vem sofrendo com a falta de turismo, sua principal atividade econômica.
O desemprego em partes da cidade, segundo dados oficiais, chega a 60%. Muitas lojas fecharam, os hotéis estão vazios, e os cristãos da cidade dizem que o Natal não será alegre para eles em 2003.
Os comerciantes esperam a chegada de apenas algumas centenas de turistas nesta semana de Natal, não o fluxo de milhares de visitantes e peregrinos, principalmente da Europa e da Ásia, que tomavam a praça da Manjedoura nesta época do ano.
Na principal via comercial, conhecida como avenida da Manjedoura, a maioria das lojas de artesanato para turistas estava fechada dois dias antes do Natal. Os sinais natalinos na rua são luzes representando estrelas cadentes e uma faixa saudando um grupo de peregrinos coreanos, na única excursão organizada que estava na cidade no início da semana.
Algumas lojas exibiam mensagens natalinas nas vitrines e papais noéis infláveis nas portas. Mas nada comparado ao colorido do comércio no Brasil e no mundo e na Belém pré-2000.

Loja vazia
Na loja de Tawfic Lama, 40, uma das mais conhecidas de Belém, quatro funcionários aproveitavam o tempo livre para arrumar a mercadoria: candelabros judaicos, tabuleiros de gamão e, principalmente, esculturas com temas religiosos cristãos talhados em madeira de oliveira, o artesanato típico da região.
"Talvez venha um ônibus de turistas hoje", disse um vendedor. "Antes de 2000, vinham até 20 ônibus por dia, e a loja tinha quase 40 empregados."
Lama também tem um restaurante. E, animado pelo crescimento do turismo nos anos 1990, começou a construir um hotel em cima da loja. Mas, com a queda brutal nos negócios, abandonou a obra em 2001.
"Os negócios vão mal. Muitas famílias foram embora para a Europa. Conheço gente que está vendendo jóias de família para comprar presentes de Natal para os filhos", disse o empresário, que começou a carreira há 30 anos vendendo cartões postais diante da Igreja da Natividade.
Na igreja, que abriga o local onde, segundo a tradição, Jesus nasceu, havia mais jornalistas que turistas. "Antes de 2000 os guias não podiam dar as explicações históricas aos grupos dentro da igreja para não atrapalhar o fluxo de pessoas, e o tempo de espera para entrar era de no mínimo de 40 minutos nesta época do ano. Hoje recebo no máximo um grupo por mês e não tenho nada marcado para o Natal", disse o guia Rajai Manzo, 42.
Apenas um grupo de italianos, com a bandeira do país estampada na roupa, esperava para entrar no local mais sagrado da igreja - a gruta que marca o local tradicional do nascimento de Jesus e da manjedoura onde, segundo a religião católica, recebeu a visita dos Reis Magos. "Não estou sentindo medo de estar aqui, mas achamos melhor usar roupas identificando de onde somos, pois não temos nada a ver com o conflito", disse Ferdinando Alesi, 17.
Na porta da igreja não há a confusão de vendedores de suvenires, comum em locais de grande atração turística, só dois vendedores palestinos. A 200 metros, o centro comercial construído durante a euforia do processo de paz entre Israel e palestinos na década de 90, para o Jubileu do ano 2000, está abandonado. Os três andares de estacionamentos - erguidos para receber centenas de ônibus - estão vazios. As portas do edifício moderno com fachada de vidro escuro continuam trancadas, e o lixo se acumula na entrada.

Fuga para a Europa
Outro fenômeno causado pela crise é a saída de moradores em direção à Europa. Não há estatísticas oficiais, e o tema é considerado tabu, mas moradores dizem que mais de 400 famílias, especialmente da elite cristã, já partiram.
A não ser pela presença de policiais palestinos com rifles automáticos, não há sinais de conflito na cidade. O posto militar israelense mais próximo está a cerca de 4 quilômetros da entrada da cidade e não se vê palestinos armados. Ou seja, nenhuma lembrança das cenas de conflito ao redor da Igreja da Natividade que marcaram o Natal de 2002.
Os guias locais insistem que os turistas nunca sofreram consequências diretas dos conflitos entre israelenses e palestinos.
Mas pode-se sentir o clima tenso. Ao contrário da tradicional hospitalidade árabe e da insistência costumeira de vendedores, pouca gente se aventura a conversar com estrangeiros em Belém.
As autoridades religiosas católica, ortodoxas e armênias da Igreja da Natividade procuradas pela reportagem no local também se recusaram a conversar, alegando falta de tempo, mesmo com a ausência de turismo.
Ninguém, dentro ou fora da igreja, quis comentar a falta de peregrinos, nem a proibição israelense da participação do presidente da Autoridade Palestina, o muçulmano Iasser Arafat, nas celebrações natalinas em Belém pelo quarto ano seguido.
"Não sei quem é quem por aqui. Posso estar conversando com alguém que trabalha para os israelenses. Posso também estar conversando com um militante muçulmano sem saber", disse um ambulante.
Há disposição só para falar da ocupação israelense e, principalmente, da barreira que Israel está construindo para, segundo o país, evitar a entrada de terroristas suicidas em seu território. Mas, na prática, ela demarca de forma unilateral a fronteira entre o país e a Cisjordânia, incluindo parte das áreas palestinas em Israel.
Na aldeia de Beit Sahour, na periferia de Belém, a cerca isolou plantações de oliveiras e, em alguns pontos, passa a apenas dois metros da casa de palestinos. A centenas de metros é possível ver o assentamento judaico de Har Homa, que ainda está sendo construído. "Pode olhar ali atrás que você verá as máquinas de Israel trabalhando", disse o técnico de computadores Ibrahim, balançando a cabeça em reprovação.


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