São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1998.



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FUTURO
Desafio dos católicos cubanos é manter espaço conquistado pelo papa
Visita do papa consolida reconhecimento da igreja

do enviado especial a Havana


"Não queremos firmar com o governo uma declaração de agressão ou um pacto de colaboração. Queremos, isto sim, é mais espaço para o futuro."
O cardeal-arcebispo de Havana, Jaime Ortega, abriu há seis dias algumas de suas cartas. Mas não há por enquanto definição sobre o jogo do relacionamento entre o regime e os católicos de Cuba.
João Paulo 2º encerra hoje à noite a mais controvertida de suas últimas viagens pastorais. Terá conseguido o que queria: dar ao catolicismo local um reconhecimento institucional que ele não tinha, desde que, em janeiro de 1959, os guerrilheiros de serra Maestra chegaram o poder.
Na hierarquia católica é tabu o que acontecerá a partir de agora. Um dos homens em ascensão dentro dela disse à Folha, informalmente: "Acho que entramos para a sociedade civil".
Ocorre que, em Cuba, a sociedade civil não existe. Mesmo com as reformas econômicas de 1993, que injetaram dólares nos salários de uma minoria e permitiram a aparição de uma classe média com interesses próprios, continua a dominar, no governo, o discurso da homogeneidade, da unidade social.
É uma suposta forma única de pensar, de conceber a sociedade, a soberania cubana e sua inserção internacional como experiência isolada de socialismo.
Os católicos não aceitam mais ser excluídos. Querem manter sua identidade comunitária, o que rompe com a idéia de uniformidade dentro do establishment.
Fidel e outros dirigentes teriam meios para reprimir a igreja, como já o fizeram no passado. Mas correriam o risco de perder o que ganharam com a visita do papa.
Um exemplo: a CNN levou ao ar, na noite de quinta-feira, programa especial de uma hora em que, de forma por vezes agressiva, criticava os efeitos do embargo comercial dos Estados Unidos no cotidiano dos cubanos mais humildes.
O papa e sua igreja sempre foram contrários ao embargo. O regime local está obtendo lucros políticos com o enfraquecimento dos lobbies dos Estados Unidos que, 36 anos depois, ainda acham que o isolamento de Cuba apressará a implosão de seu regime.
Por sua vez, Fidel lançou há nove dias pela TV a distinção entre "crentes e não-crentes". A mídia local imediatamente popularizou a distinção, que tem, em termos sociais, um alcance bem maior que a diferença entre homens e mulheres, trabalhadores do campo e trabalhadores das cidades.
Ser crente -e é o que distingue o atual comunismo cubano do que existiu num país historicamente católico, como a Polônia- é trombar com a ideologia oficial, por mais que a Constituição cubana de 1992 não mais considere o ateísmo como postura de Estado.
Independentemente da intenção de bispos ou dirigentes do partido, os crentes tendem a formar um núcleo diferenciado de interesses.
Se o caldeirão for destampado, também procurariam se organizar os camponeses proprietários de suas terras, os trabalhadores que não recebem parte do salário em dólar, as associações de pais e mestres ou até os alfaiates cubanos.
Os governantes locais ainda não saíram do buraco em que caíram com o colapso da URSS. A economia crescerá este ano no máximo 3,5%. Precisam de todos para reiterar o apelo à divisão dos sacrifícios. Precisam da igreja também.
"O tempo nunca anda para trás", disse há dias o cardeal-arcebispo de Havana. Pela frente, no entanto, há mais incógnitas que roteiros a serem rigorosamente cumpridos. (JOÃO BATISTA NATALI)



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