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FUTURO
Desafio dos católicos cubanos é manter espaço conquistado pelo papa
Visita do papa consolida
reconhecimento da igreja
do enviado especial a Havana
"Não queremos firmar com
o governo uma
declaração de
agressão ou um
pacto de colaboração. Queremos, isto sim, é
mais espaço para o futuro."
O cardeal-arcebispo de Havana,
Jaime Ortega, abriu há seis dias algumas de suas cartas. Mas não há
por enquanto definição sobre o jogo do relacionamento entre o regime e os católicos de Cuba.
João Paulo 2º encerra hoje à noite a mais controvertida de suas últimas viagens pastorais. Terá conseguido o que queria: dar ao catolicismo local um reconhecimento
institucional que ele não tinha,
desde que, em janeiro de 1959, os
guerrilheiros de serra Maestra chegaram o poder.
Na hierarquia católica é tabu o
que acontecerá a partir de agora.
Um dos homens em ascensão dentro dela disse à Folha, informalmente: "Acho que entramos para
a sociedade civil".
Ocorre que, em Cuba, a sociedade civil não existe. Mesmo com as
reformas econômicas de 1993, que
injetaram dólares nos salários de
uma minoria e permitiram a aparição de uma classe média com interesses próprios, continua a dominar, no governo, o discurso da homogeneidade, da unidade social.
É uma suposta forma única de
pensar, de conceber a sociedade, a
soberania cubana e sua inserção
internacional como experiência
isolada de socialismo.
Os católicos não aceitam mais
ser excluídos. Querem manter sua
identidade comunitária, o que
rompe com a idéia de uniformidade dentro do establishment.
Fidel e outros dirigentes teriam
meios para reprimir a igreja, como
já o fizeram no passado. Mas correriam o risco de perder o que ganharam com a visita do papa.
Um exemplo: a CNN levou ao ar,
na noite de quinta-feira, programa
especial de uma hora em que, de
forma por vezes agressiva, criticava os efeitos do embargo comercial
dos Estados Unidos no cotidiano
dos cubanos mais humildes.
O papa e sua igreja sempre foram
contrários ao embargo. O regime
local está obtendo lucros políticos
com o enfraquecimento dos lobbies dos Estados Unidos que, 36
anos depois, ainda acham que o
isolamento de Cuba apressará a
implosão de seu regime.
Por sua vez, Fidel lançou há nove
dias pela TV a distinção entre
"crentes e não-crentes". A mídia
local imediatamente popularizou
a distinção, que tem, em termos
sociais, um alcance bem maior que
a diferença entre homens e mulheres, trabalhadores do campo e trabalhadores das cidades.
Ser crente -e é o que distingue o
atual comunismo cubano do que
existiu num país historicamente
católico, como a Polônia- é
trombar com a ideologia oficial,
por mais que a Constituição cubana de 1992 não mais considere o
ateísmo como postura de Estado.
Independentemente da intenção
de bispos ou dirigentes do partido,
os crentes tendem a formar um
núcleo diferenciado de interesses.
Se o caldeirão for destampado,
também procurariam se organizar
os camponeses proprietários de
suas terras, os trabalhadores que
não recebem parte do salário em
dólar, as associações de pais e mestres ou até os alfaiates cubanos.
Os governantes locais ainda não
saíram do buraco em que caíram
com o colapso da URSS. A economia crescerá este ano no máximo
3,5%. Precisam de todos para reiterar o apelo à divisão dos sacrifícios. Precisam da igreja também.
"O tempo nunca anda para
trás", disse há dias o cardeal-arcebispo de Havana. Pela frente, no
entanto, há mais incógnitas que
roteiros a serem rigorosamente
cumpridos.
(JOÃO BATISTA NATALI)
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