São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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TENSÃO

Conflito pode tomar o país e provocar enfrentamento étnico generalizado; governo se nega a negociar com rebeldes

Macedônia ameaça equilíbrio nos Bálcãs

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A nova onda de violência que atinge os Bálcãs ameaça o frágil equilíbrio geopolítico regional e pode provocar um grave conflito na Macedônia. Este provavelmente causaria um enfrentamento étnico generalizado no país, desencadeando uma tragédia e descreditando a Otan (aliança militar do Ocidente) como força de manutenção da paz.
Depois da desintegração da antiga Iugoslávia, em 1991, 4 de suas 6 Repúblicas foram palco de conflitos sangrentos: Eslovênia, Croácia, Bósnia e Kosovo -Província da Sérvia, República que, junto com Montenegro, compõe a Iugoslávia atual.
Restavam relativamente ilesos a Macedônia e Montenegro. Embora a crise ainda não se tenha agravado a ponto de ter-se transformado numa guerra, a Macedônia já não é mais uma exceção.
Rebeldes de origem albanesa do Exército de Libertação Nacional, da Macedônia (UCK-M), deram início a um movimento insurrecional há cerca de um mês.
De acordo com um comunicado do UCK-M publicado no jornal britânico "The Guardian", na última quarta-feira, o grupo foi "forçado" a privilegiar a iniciativa armada e a "lutar por seus direitos", pois os albaneses da Macedônia "têm sido insultados, discriminados e proibidos de seguir livremente as tradições de sua civilização há décadas".
Especialistas internacionais concordam que a comunidade albanesa tem sido considerada como uma classe inferior dentro da sociedade civil macedônia, apesar de partidos moderados que a representam fazerem parte da coalizão governamental que está no poder em Skopje.
Motivados pela Guerra de Kosovo (1999), quando o levante do UCK kosovar contra o jugo da Sérvia (Iugoslávia) do então ditador Slobodan Milosevic foi apoiado pelo Ocidente, os rebeldes do UCK-M acreditaram que a batalha diplomática que teve início quando eles optaram pela escalada da violência na região próxima a Kosovo, no noroeste da Macedônia, os favorecesse.
Assim, os membros do UCK-M esperavam que o recrudescimento da violência em torno do vilarejo de Tanusevci, localizado a 30 km de Skopje, e, em seguida, na região de Tetovo, situada a 45 km da capital, acabasse incitando a comunidade internacional a apoiá-los e, talvez, a intervir militarmente, como em Kosovo.
No entanto o Ocidente tem como prioridade manter a frágil estabilidade geopolítica dos Bálcãs, alcançada após a queda de Milosevic, em outubro passado. Com isso, desde o princípio do novo conflito, a comunidade internacional deu carta-branca a Skopje, que, se não usasse de violência excessiva, poderia tomar as medidas que julgasse necessárias para restabelecer a ordem na região.
Além disso, a Otan autorizou forças de segurança iugoslavas a patrulhar a zona de segurança existente entre Kosovo e o restante da Sérvia para impedir que os rebeldes albaneses usem a Província como base para atacar a Macedônia. Os sérvios não tinham o direito de entrar nessa zona desde 1999.

Erro diplomático
"O UCK-M cometeu um erro diplomático ao pensar que a experiência kosovar poderia ser transposta para o território macedônio. O Ocidente apoiou os albaneses de Kosovo porque eles eram alvo de maciças violações aos direitos humanos, como a limpeza étnica, mas sobretudo porque Milosevic tentava desestabilizar a Albânia e a Macedônia por meio do êxodo de populações albanesas", analisou para a Folha Jacques Rupnik, diretor de pesquisas do Centro de Estudos em Relações Internacionais, de Paris.
Buscando manter o precário equilíbrio regional, o Ocidente pode ter cometido dois erros que contribuíram para a deflagração do novo conflito: não desarmou os guerrilheiros do UCK kosovar, em 1999, e permitiu que Skopje tomasse medidas drásticas para colocar fim à ameaça extremista.
Ora, isso faz com que as grandes potências ocidentais se vejam hoje numa situação pouco confortável. Afinal, numa surpreendente mudança de tática, ocorrida na última quarta-feira, o UCK-M propôs um cessar-fogo unilateral ao governo macedônio, criando a esperança de que novas etapas do conflito viessem a ter como palco a mesa de negociações.
Skopje, entretanto, não deu ouvidos à proposta dos rebeldes e atacou com armamentos pesados as montanhas que cercam Tetovo, onde o UCK-M tem suas bases. Isso desconcertou líderes ocidentais, que se limitaram a exortar o governo macedônio a demonstrar "moderação" em suas ações contra a guerrilha.
Para agravar o quadro, o governo macedônio recebeu da Ucrânia anteontem poderosos helicópteros de combate, de fabricação russa. E já os utilizou para atacar os rebeldes ontem, em Tetovo.
A cúpula da Otan, por sua vez, deseja enviar mais soldados para a fronteira entre Kosovo e a Macedônia para impedir que parte do UCK kosovar apóie o UCK-M. A Alemanha anunciou, anteontem, que atenderá o pedido da Otan, enviando mais 130 soldados à região. A aliança tem cerca de 38 mil soldados envolvidos em sua missão de paz em Kosovo.
Porém nenhum líder internacional ousou instar as autoridades macedônias a negociar com os guerrilheiros até agora. O presidente da Macedônia, Boris Trajkovski, anunciou, na última quinta-feira, que pretende abrir negociações visando a melhorar as condições de vida dos albaneses quando a "ameaça terrorista" for neutralizada, o que implica a exclusão de representantes políticos do UCK-M das negociações.
"O Exército Republicano Irlandês (IRA) tinha só 200 membros e conseguiu manter uma guerrilha por 30 anos. A situação só melhorou depois que seu braço político, o Sinn Fein, passou a participar das negociações de paz. São casos distintos, porém não podemos esquecer o que funcionou no passado", afirmou à Folha William J. Buckley, professor na Universidade de Georgetown e especialista em negociações de paz.
Para evitar um mal maior, a comunidade internacional deveria, portanto, pressionar Skopje a negociar com os rebeldes e só deveria usar as forças da ONU ou da Otan para proteger a população civil em zonas de conflito.
Além disso, ela poderia organizar -e financiar- um verdadeiro processo de paz, pois, se os guerrilheiros do UCK-M forem impiedosamente aniquilados pelas forças de segurança macedônias, sua causa pode conquistar mais adeptos dentro da comunidade albanesa (30% da população total do país, que é de 2,2 milhões), o que seria mais perigoso.
Afinal, como ressaltou Buckley, há a questão religiosa, que costuma ser negligenciada no Ocidente. Os rebeldes contam com a crescente simpatia da população albanesa também em razão de sua crença religiosa -muçulmana. Os eslavos são majoritariamente cristãos ortodoxos.
Além disso, a Macedônia ainda representa uma alternativa que, por enquanto e de modo frágil, tem sido bem-sucedida. Em vez do enfrentamento étnico pregado por Milosevic, há a coexistência tensa, contudo relativamente pacífica, das comunidades albanesa e eslava em seu território.
Göran Persson, premiê da Suécia, que preside atualmente a União Européia, é favorável a uma solução diplomática. Ele disse, na última quinta-feira, que os países ocidentais podem colaborar na resolução do novo conflito balcânico, ajudando a financiar reformas infra-estruturais nas regiões de população albanesa.

Montenegro
Junta-se a isso o fato de que todos os esforços são válidos para evitar que a onda de violência chegue a Montenegro. Segundo Mary Kaldor, especialista em questões balcânicas e professora na London School of Economics, esse seria o cenário mais trágico.
"É possível que o conflito se espalhe e chegue a Montenegro. No entanto isso seria dramático, porque, em Montenegro, as comunidades sérvia e montenegrina se confundem. Em todas as cidades e na maioria das famílias, há pessoas das duas comunidades. Se houver um conflito nessa República iugoslava, ele será dos mais cruéis", explicou Kaldor à Folha.
Experiências recentes demonstram que conflitos se propagam rapidamente nos Bálcãs e que a demora da comunidade internacional para intervir só faz agravar os problemas existentes, como foi o caso na Bósnia.
"Nos Bálcãs, conflitos podem agravar-se rápido, como vimos na Guerra da Bósnia (1992-1995) e na Guerra de Kosovo (1999). Trata-se, portanto, de um equilíbrio precário, e a questão abrange a Sérvia, a Bulgária, a Grécia, a Turquia, a Albânia e outros países da região", analisou Rupnik.


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