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TENSÃO
Conflito pode tomar o país e provocar enfrentamento étnico generalizado; governo se nega a negociar com rebeldes
Macedônia ameaça equilíbrio nos Bálcãs
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
A nova onda de violência que
atinge os Bálcãs ameaça o frágil
equilíbrio geopolítico regional e
pode provocar um grave conflito
na Macedônia. Este provavelmente causaria um enfrentamento étnico generalizado no país, desencadeando uma tragédia e descreditando a Otan (aliança militar
do Ocidente) como força de manutenção da paz.
Depois da desintegração da antiga Iugoslávia, em 1991, 4 de suas
6 Repúblicas foram palco de conflitos sangrentos: Eslovênia, Croácia, Bósnia e Kosovo -Província
da Sérvia, República que, junto
com Montenegro, compõe a Iugoslávia atual.
Restavam relativamente ilesos a
Macedônia e Montenegro. Embora a crise ainda não se tenha agravado a ponto de ter-se transformado numa guerra, a Macedônia
já não é mais uma exceção.
Rebeldes de origem albanesa do
Exército de Libertação Nacional,
da Macedônia (UCK-M), deram
início a um movimento insurrecional há cerca de um mês.
De acordo com um comunicado do UCK-M publicado no jornal britânico "The Guardian", na
última quarta-feira, o grupo foi
"forçado" a privilegiar a iniciativa
armada e a "lutar por seus direitos", pois os albaneses da Macedônia "têm sido insultados, discriminados e proibidos de seguir
livremente as tradições de sua civilização há décadas".
Especialistas internacionais
concordam que a comunidade albanesa tem sido considerada como uma classe inferior dentro da
sociedade civil macedônia, apesar
de partidos moderados que a representam fazerem parte da coalizão governamental que está no
poder em Skopje.
Motivados pela Guerra de Kosovo (1999), quando o levante do
UCK kosovar contra o jugo da
Sérvia (Iugoslávia) do então ditador Slobodan Milosevic foi apoiado pelo Ocidente, os rebeldes do
UCK-M acreditaram que a batalha diplomática que teve início
quando eles optaram pela escalada da violência na região próxima
a Kosovo, no noroeste da Macedônia, os favorecesse.
Assim, os membros do UCK-M
esperavam que o recrudescimento da violência em torno do vilarejo de Tanusevci, localizado a 30
km de Skopje, e, em seguida, na
região de Tetovo, situada a 45 km
da capital, acabasse incitando a
comunidade internacional a
apoiá-los e, talvez, a intervir militarmente, como em Kosovo.
No entanto o Ocidente tem como prioridade manter a frágil estabilidade geopolítica dos Bálcãs,
alcançada após a queda de Milosevic, em outubro passado. Com
isso, desde o princípio do novo
conflito, a comunidade internacional deu carta-branca a Skopje,
que, se não usasse de violência excessiva, poderia tomar as medidas
que julgasse necessárias para restabelecer a ordem na região.
Além disso, a Otan autorizou
forças de segurança iugoslavas a
patrulhar a zona de segurança
existente entre Kosovo e o restante da Sérvia para impedir que os
rebeldes albaneses usem a Província como base para atacar a
Macedônia. Os sérvios não tinham o direito de entrar nessa zona desde 1999.
Erro diplomático
"O UCK-M cometeu um erro
diplomático ao pensar que a experiência kosovar poderia ser
transposta para o território macedônio. O Ocidente apoiou os albaneses de Kosovo porque eles eram
alvo de maciças violações aos direitos humanos, como a limpeza
étnica, mas sobretudo porque Milosevic tentava desestabilizar a Albânia e a Macedônia por meio do
êxodo de populações albanesas",
analisou para a Folha Jacques
Rupnik, diretor de pesquisas do
Centro de Estudos em Relações
Internacionais, de Paris.
Buscando manter o precário
equilíbrio regional, o Ocidente
pode ter cometido dois erros que
contribuíram para a deflagração
do novo conflito: não desarmou
os guerrilheiros do UCK kosovar,
em 1999, e permitiu que Skopje
tomasse medidas drásticas para
colocar fim à ameaça extremista.
Ora, isso faz com que as grandes
potências ocidentais se vejam hoje numa situação pouco confortável. Afinal, numa surpreendente
mudança de tática, ocorrida na
última quarta-feira, o UCK-M
propôs um cessar-fogo unilateral
ao governo macedônio, criando a
esperança de que novas etapas do
conflito viessem a ter como palco
a mesa de negociações.
Skopje, entretanto, não deu ouvidos à proposta dos rebeldes e
atacou com armamentos pesados
as montanhas que cercam Tetovo, onde o UCK-M tem suas bases. Isso desconcertou líderes ocidentais, que se limitaram a exortar o governo macedônio a demonstrar "moderação" em suas
ações contra a guerrilha.
Para agravar o quadro, o governo macedônio recebeu da Ucrânia anteontem poderosos helicópteros de combate, de fabricação russa. E já os utilizou para atacar os rebeldes ontem, em Tetovo.
A cúpula da Otan, por sua vez,
deseja enviar mais soldados para
a fronteira entre Kosovo e a Macedônia para impedir que parte do
UCK kosovar apóie o UCK-M. A
Alemanha anunciou, anteontem,
que atenderá o pedido da Otan,
enviando mais 130 soldados à região. A aliança tem cerca de 38 mil
soldados envolvidos em sua missão de paz em Kosovo.
Porém nenhum líder internacional ousou instar as autoridades
macedônias a negociar com os
guerrilheiros até agora. O presidente da Macedônia, Boris Trajkovski, anunciou, na última quinta-feira, que pretende abrir negociações visando a melhorar as
condições de vida dos albaneses
quando a "ameaça terrorista" for
neutralizada, o que implica a exclusão de representantes políticos
do UCK-M das negociações.
"O Exército Republicano Irlandês (IRA) tinha só 200 membros e
conseguiu manter uma guerrilha
por 30 anos. A situação só melhorou depois que seu braço político,
o Sinn Fein, passou a participar
das negociações de paz. São casos
distintos, porém não podemos esquecer o que funcionou no passado", afirmou à Folha William J.
Buckley, professor na Universidade de Georgetown e especialista
em negociações de paz.
Para evitar um mal maior, a comunidade internacional deveria,
portanto, pressionar Skopje a negociar com os rebeldes e só deveria usar as forças da ONU ou da
Otan para proteger a população
civil em zonas de conflito.
Além disso, ela poderia organizar -e financiar- um verdadeiro processo de paz, pois, se os
guerrilheiros do UCK-M forem
impiedosamente aniquilados pelas forças de segurança macedônias, sua causa pode conquistar
mais adeptos dentro da comunidade albanesa (30% da população
total do país, que é de 2,2 milhões), o que seria mais perigoso.
Afinal, como ressaltou Buckley,
há a questão religiosa, que costuma ser negligenciada no Ocidente. Os rebeldes contam com a
crescente simpatia da população
albanesa também em razão de sua
crença religiosa -muçulmana.
Os eslavos são majoritariamente
cristãos ortodoxos.
Além disso, a Macedônia ainda
representa uma alternativa que,
por enquanto e de modo frágil,
tem sido bem-sucedida. Em vez
do enfrentamento étnico pregado
por Milosevic, há a coexistência
tensa, contudo relativamente pacífica, das comunidades albanesa
e eslava em seu território.
Göran Persson, premiê da Suécia, que preside atualmente a
União Européia, é favorável a
uma solução diplomática. Ele disse, na última quinta-feira, que os
países ocidentais podem colaborar na resolução do novo conflito
balcânico, ajudando a financiar
reformas infra-estruturais nas regiões de população albanesa.
Montenegro
Junta-se a isso o fato de que todos os esforços são válidos para
evitar que a onda de violência
chegue a Montenegro. Segundo
Mary Kaldor, especialista em
questões balcânicas e professora
na London School of Economics,
esse seria o cenário mais trágico.
"É possível que o conflito se espalhe e chegue a Montenegro. No
entanto isso seria dramático, porque, em Montenegro, as comunidades sérvia e montenegrina se
confundem. Em todas as cidades
e na maioria das famílias, há pessoas das duas comunidades. Se
houver um conflito nessa República iugoslava, ele será dos mais
cruéis", explicou Kaldor à Folha.
Experiências recentes demonstram que conflitos se propagam
rapidamente nos Bálcãs e que a
demora da comunidade internacional para intervir só faz agravar
os problemas existentes, como foi
o caso na Bósnia.
"Nos Bálcãs, conflitos podem
agravar-se rápido, como vimos na
Guerra da Bósnia (1992-1995) e na
Guerra de Kosovo (1999). Trata-se, portanto, de um equilíbrio
precário, e a questão abrange a
Sérvia, a Bulgária, a Grécia, a Turquia, a Albânia e outros países da
região", analisou Rupnik.
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