São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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BÁLCÃS

República que tinha até agora escapado dos conflitos na região possui uma composição populacional potencialmente explosiva

Mosaico étnico desestabiliza a Macedônia

DA REDAÇÃO

A Macedônia tinha até agora escapado milagrosamente das guerra que sucederam ao desmoronamento da antiga Iugoslávia. Porém essa pequena república, que foi criada em 1946 para pertencer à federação iugoslava concebida pelo presidente Tito (Josip Broz) e se tornou independente em 1991, ainda é um dos pontos mais delicados dos Bálcãs.
Isso por duas razões principais. Primeiro, sua composição étnica potencialmente explosiva. Trata-se de um mosaico de nacionalidades dominado pelos eslavos macedônios, cristãos ortodoxos que correspondem a mais de 60% da população -de cerca de 2,2 milhões de habitantes-, que ainda conta com albaneses majoritariamente muçulmanos (aproximadamente 30% da população) e com várias outras minorias.
Segundo, a fragilidade da identidade nacional macedônia, que, por diversas razões, foi contestada pelos sérvios, que controlam a vizinha Iugoslávia, pelos búlgaros e pelos gregos no passado.
Dirigida, de sua independência até 1999, por uma figura de ponta da política dos Bálcãs, o ex-presidente Kiro Gligorov, a Macedônia soube preservar um frágil equilíbrio apostando no diálogo interno, na reconciliação com seus vizinhos e na cooperação com a comunidade internacional.
Diferentemente dos albaneses de Kosovo, que constituem 90% da população da Província sérvia, a comunidade albanesa da Macedônia é minoritária e participa da vida política há anos graças ao talento de seus dirigentes, que souberam conter espasmos radicais.
A principal formação política que a representa, o Partido Democrático Albanês (PDA), do moderado Arben Xhaferri, faz parte da coalizão governamental e responde por cinco ministérios.
Contudo os macedônios de origem albanesa ainda acreditam serem tratados como cidadãos de segunda classe, com representação inexpressiva na administração pública e nos postos de comando do setor privado.
"Historicamente, a minoria albanesa tem sido uma classe inferior. Ela é para os Bálcãs o que os indígenas são para a América Latina", explicou à Folha William J. Buckley, professor na Universidade de Georgetown e editor do livro "Kosovo: Contending Voices on Balkan Interventions" (Kosovo: vozes discordantes sobre intervenções nos Bálcãs).

Reivindicações
A principal reivindicação dos albaneses é que a comunidade seja reconhecida constitucionalmente como uma "nação constitutiva", a exemplo da maioria eslava. Também querem que o albanês se torne a segunda língua oficial. Porém, apesar do processo político em curso, essas aspirações ainda não se concretizaram.
O exemplo de Kosovo de 1999, que, na prática, se tornou independente da Sérvia, contribuiu para aumentar o radicalismo de uma parte da comunidade albanesa macedônia, que não mais crê na eficácia da solução política.
"A Macedônia é um Estado pobre, que ficou ainda mais pobre com o fim da antiga Iugoslávia. Além disso, a situação se agravou com a chegada de refugiados kosovares, em 1999. Os albaneses, a comunidade menos abastada, pagaram o preço mais alto", disse à Folha Mary Kaldor, especialista em Bálcãs e professora na London School of Economics.
Para os eslavos, que buscam proteger a "identidade nacional" e inscrever a Macedônia no clube dos países autônomos, as reivindicações dos albaneses são inaceitáveis. Embora os nacionalistas, que hoje estão no poder em Skopje, tenham moderado o tom de seu discurso, o país permanece sendo o berço da nação macedônia para eles, e a idéia de uma federação eslavo-albanesa é, no mínimo, perigosa.
"A Macedônia é um pequeno país que se funda sobre a delicada coexistência das comunidades eslava e albanesa. Porém, naquela região, tudo pode degringolar de uma hora para outra. Trata-se, portanto, de um equilíbrio precário", afirmou à Folha Jacques Rupnik, autor de "Les Balkans: Paysage après la Bataille" (Bálcãs: paisagem após a batalha).
Entre as duas comunidades, um certo sentimento de desconfiança persiste, pois, para os eslavos, os albaneses continuam querendo concretizar seu sonho de viver numa "Grande Albânia" ou num "Grande Kosovo", que reuniria os territórios albanófonos de Kosovo, da Albânia, do sul da Sérvia e da própria Macedônia.
O peso da história também não deve ser negligenciado. Fator importante de guerras nos Bálcãs no início do século passado (1912-1913), a chamada questão macedônia ainda é delicada.
Até 1996, a Grécia recusava-se a reconhecer a Macedônia como país independente sob a alegação de que ela usurpava um nome que pertencia à herança helênica. Havia também o medo de que isso implicasse um desejo de expansão territorial que ameaçava a Macedônia grega.
Após receber garantias de Skopje, Atenas, que conta com uma significativa minoria eslava, resolveu aceitar a existência da Macedônia como Estado independente. Contudo nada garante que as inimizades do passado não venham a reaparecer se o equilíbrio regional for colocado em xeque.
A Bulgária, por sua vez, desempenha o papel de protetora dos interesses dos macedônios, pois considera-os como parte da nação búlgara apesar de não mais dizê-lo abertamente. O mesmo ocorre com os sérvios, inimigos históricos dos búlgaros, que classificam seus vizinhos macedônios como exclusivamente eslavos.
Ante esse quadro, a desestabilização da República da Macedônia pode reacender o latente fogo das inimizades históricas e provocar um conflito de dimensões catastróficas, como vimos nos Bálcãs na Guerra da Bósnia (1992-1995) e na Guerra de Kosovo (1999). (MÁRCIO SENNE DE MORAES)


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