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BÁLCÃS
República que tinha até agora escapado dos conflitos na região possui uma composição populacional potencialmente explosiva
Mosaico étnico desestabiliza a Macedônia
DA REDAÇÃO
A Macedônia tinha até agora escapado milagrosamente das guerra que sucederam ao desmoronamento da antiga Iugoslávia. Porém essa pequena república, que
foi criada em 1946 para pertencer
à federação iugoslava concebida
pelo presidente Tito (Josip Broz) e
se tornou independente em 1991,
ainda é um dos pontos mais delicados dos Bálcãs.
Isso por duas razões principais.
Primeiro, sua composição étnica
potencialmente explosiva. Trata-se de um mosaico de nacionalidades dominado pelos eslavos macedônios, cristãos ortodoxos que
correspondem a mais de 60% da
população -de cerca de 2,2 milhões de habitantes-, que ainda
conta com albaneses majoritariamente muçulmanos (aproximadamente 30% da população) e
com várias outras minorias.
Segundo, a fragilidade da identidade nacional macedônia, que,
por diversas razões, foi contestada pelos sérvios, que controlam a
vizinha Iugoslávia, pelos búlgaros
e pelos gregos no passado.
Dirigida, de sua independência
até 1999, por uma figura de ponta
da política dos Bálcãs, o ex-presidente Kiro Gligorov, a Macedônia
soube preservar um frágil equilíbrio apostando no diálogo interno, na reconciliação com seus vizinhos e na cooperação com a comunidade internacional.
Diferentemente dos albaneses
de Kosovo, que constituem 90%
da população da Província sérvia,
a comunidade albanesa da Macedônia é minoritária e participa da
vida política há anos graças ao talento de seus dirigentes, que souberam conter espasmos radicais.
A principal formação política
que a representa, o Partido Democrático Albanês (PDA), do
moderado Arben Xhaferri, faz
parte da coalizão governamental e
responde por cinco ministérios.
Contudo os macedônios de origem albanesa ainda acreditam serem tratados como cidadãos de
segunda classe, com representação inexpressiva na administração pública e nos postos de comando do setor privado.
"Historicamente, a minoria albanesa tem sido uma classe inferior. Ela é para os Bálcãs o que os
indígenas são para a América Latina", explicou à Folha William J.
Buckley, professor na Universidade de Georgetown e editor do livro "Kosovo: Contending Voices
on Balkan Interventions" (Kosovo: vozes discordantes sobre intervenções nos Bálcãs).
Reivindicações
A principal reivindicação dos albaneses é que a comunidade seja
reconhecida constitucionalmente
como uma "nação constitutiva", a
exemplo da maioria eslava. Também querem que o albanês se torne a segunda língua oficial. Porém, apesar do processo político
em curso, essas aspirações ainda
não se concretizaram.
O exemplo de Kosovo de 1999,
que, na prática, se tornou independente da Sérvia, contribuiu
para aumentar o radicalismo de
uma parte da comunidade albanesa macedônia, que não mais crê
na eficácia da solução política.
"A Macedônia é um Estado pobre, que ficou ainda mais pobre
com o fim da antiga Iugoslávia.
Além disso, a situação se agravou
com a chegada de refugiados kosovares, em 1999. Os albaneses, a
comunidade menos abastada, pagaram o preço mais alto", disse à
Folha Mary Kaldor, especialista
em Bálcãs e professora na London
School of Economics.
Para os eslavos, que buscam
proteger a "identidade nacional"
e inscrever a Macedônia no clube
dos países autônomos, as reivindicações dos albaneses são inaceitáveis. Embora os nacionalistas,
que hoje estão no poder em Skopje, tenham moderado o tom de
seu discurso, o país permanece
sendo o berço da nação macedônia para eles, e a idéia de uma federação eslavo-albanesa é, no mínimo, perigosa.
"A Macedônia é um pequeno
país que se funda sobre a delicada
coexistência das comunidades eslava e albanesa. Porém, naquela
região, tudo pode degringolar de
uma hora para outra. Trata-se,
portanto, de um equilíbrio precário", afirmou à Folha Jacques
Rupnik, autor de "Les Balkans:
Paysage après la Bataille" (Bálcãs:
paisagem após a batalha).
Entre as duas comunidades, um
certo sentimento de desconfiança
persiste, pois, para os eslavos, os
albaneses continuam querendo
concretizar seu sonho de viver
numa "Grande Albânia" ou num
"Grande Kosovo", que reuniria os
territórios albanófonos de Kosovo, da Albânia, do sul da Sérvia e
da própria Macedônia.
O peso da história também não
deve ser negligenciado. Fator importante de guerras nos Bálcãs no
início do século passado (1912-1913), a chamada questão macedônia ainda é delicada.
Até 1996, a Grécia recusava-se a
reconhecer a Macedônia como
país independente sob a alegação
de que ela usurpava um nome que
pertencia à herança helênica. Havia também o medo de que isso
implicasse um desejo de expansão territorial que ameaçava a
Macedônia grega.
Após receber garantias de Skopje, Atenas, que conta com uma
significativa minoria eslava, resolveu aceitar a existência da Macedônia como Estado independente. Contudo nada garante que as
inimizades do passado não venham a reaparecer se o equilíbrio
regional for colocado em xeque.
A Bulgária, por sua vez, desempenha o papel de protetora dos
interesses dos macedônios, pois
considera-os como parte da nação búlgara apesar de não mais
dizê-lo abertamente. O mesmo
ocorre com os sérvios, inimigos
históricos dos búlgaros, que classificam seus vizinhos macedônios
como exclusivamente eslavos.
Ante esse quadro, a desestabilização da República da Macedônia
pode reacender o latente fogo das
inimizades históricas e provocar
um conflito de dimensões catastróficas, como vimos nos Bálcãs
na Guerra da Bósnia (1992-1995) e
na Guerra de Kosovo (1999).
(MÁRCIO SENNE DE MORAES)
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