São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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Albaneses devem se opor a rebeldes, diz Kadaré

PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO

Os albaneses da Macedônia devem se opor claramente à ação dos rebeldes no norte do país, pois os confrontos na região vão contra os interesses da população de etnia albanesa.
"O povo albanês precisa dizer "basta" a esse ato suicida. É evidente que essa nova série de ataques e contra-ataques vai totalmente contra os interesses albaneses", afirma o principal romancista e poeta da Albânia, Ismail Kadaré, que buscou asilo na França em outubro de 1990, pouco antes da queda do comunismo em sua terra natal. "A ditadura e a literatura autêntica são incompatíveis", disse à época Kadaré, autor, entre outros livros, de "A Ponte dos Três Arcos", "Três Cantos Fúnebres para Kosovo", "A Pirâmide", "Abril Despedaçado" (que serve de base para o filme "Bolandeira", dirigido por Walter Salles, com estréia prevista para setembro), "O Palácio dos Sonhos" e "Concerto no Fim do Inverno".
Leia a seguir trechos da entrevista que Kadaré, 65, concedeu à Folha, por telefone, de Zagreb, capital da Croácia.

Folha - Como o sr. vê os últimos conflitos na Macedônia? A ação dos albaneses, que acusam o governo de discriminação, é legítima?
Ismail Kadaré -
Tudo o que está acontecendo ali é lamentável, não apenas para os Bálcãs, mas para todo o povo albanês, que tentava se reerguer após a tragédia de que foi vítima em Kosovo, com a campanha de limpeza étnica sérvia (patrocinada pelo líder iugoslavo Slobodan Milosevic até o fim da guerra de 1999). Agora, com os últimos incidentes, a imagem de nosso povo sofreu um golpe fatal, que só tende a piorar caso os albaneses não tomem uma atitude imediatamente. O povo albanês precisa dizer "basta" a esse ato suicida. É evidente que essa nova série de ataques e contra-ataques vai contra os interesses albaneses.
É importante que não usem os confrontos da Macedônia como desculpa para um novo massacre de albaneses nos Bálcãs.

Folha - A Otan (aliança militar ocidental) aprovou uma participação maior das tropas iugoslavas em Kosovo, aparentemente como resposta ao que acontece em Tetovo e nos arredores...
Kadaré -
Boa parte dos albaneses acredita que os conflitos na Macedônia sejam fruto de um plano de ação de centros antialbaneses, que incentivam separatistas.
Isso equivale a cravar uma faca nas costas do sonho de liberdade em Kosovo. São manobras de estilo fascista-stalinista, com o objetivo de atiçar a hostilidade do Ocidente democrático em relação aos albaneses. Visam provar que são os albaneses que alimentam os conflitos na região. São um convite indireto à reocupação de Kosovo pela Sérvia. O que vemos são aventureiros albaneses levando o Exército iugoslavo de volta a Kosovo. Como não pensar que esses atos favorecem os piores inimigos da Albânia? As declarações do Ocidente foram bastante severas. Mas não podemos usar isso como pretexto para pôr fim ao papel da Otan em Kosovo.

Folha - Os albaneses voltam a ser considerados um fator de desestabilização nos Bálcãs...
Kadaré -
Não é a primeira vez que os albaneses contribuem para sua própria desgraça. Com as próprias mãos, destroem o que foi construído com tanto esforço.
Os amigos da Sérvia opressora do passado se rejubilam, agradecem aos aventureiros albaneses o presente de valor incalculável. Graças à loucura albanesa, justificam a posição cínica que adotaram anteriormente e fazem de tudo para apagar de nossa memória os crimes sérvios. Tentam alterar toda a lógica do conflito. Os albaneses agora aparecem como agressores; os sérvios, como vítimas. Os albaneses assumem o papel do lobo; os sérvios, o de carneiro. A discriminação antialbanesa se intensifica na Europa.
O objetivo principal de Milosevic e do lobby pró-Sérvia era colocar a Otan contra os albaneses. É uma ameaça que começa a se tornar realidade. Os extremistas albaneses concordam 100% com os nacionalistas sérvios.

Folha - Que representatividade e aceitação têm os albaneses que combatem as tropas macedônias? Cresce o apoio à "Grande Albânia"?
Kadaré -
Há várias questões a ser analisadas. Quem são os albaneses envolvidos nos confrontos na Macedônia? Por que entraram nesse jogo? Qual é o objetivo deles? Quem os dirige? O que representam? O povo albanês elegeu seus dirigentes. Nenhum outro grupo tem o direito de reivindicar o título de representante do povo albanês, que já deixou claro não se identificar com a fantasia da "Grande Albânia", esse monstro tão apreciado pela propaganda antialbanesa.

Folha - O que o sr. espera dos políticos albaneses?
Kadaré -
Precisam tomar uma atitude. O tempo não espera. Precisamos deixar de lado as divergências pessoais e apoiar homens como Arben Xhaferri (líder do Partido Democrático Albanês, que integra a coalizão governista na Macedônia), que defende posições realistas para o futuro.

Folha - Que conselho o sr. dá aos albaneses?
Kadaré -
Um antigo provérbio diz: "Da árvore derrubada todos querem a madeira". É preciso prestar atenção. Todos vão tentar se aproveitar das mazelas de nosso povo. Os albaneses não devem perder a coragem espiritual, obtida a um preço elevado. Mas o povo albanês não deve cruzar os braços. Seus dirigentes, tanto em Kosovo quanto na Albânia, ou na Macedônia, precisam refletir noite e dia para compreender como sair dessa situação dramática.


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