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Albaneses devem se opor a rebeldes, diz Kadaré
PAULO DANIEL FARAH
DA REDAÇÃO
Os albaneses da Macedônia devem se opor claramente à ação
dos rebeldes no norte do país,
pois os confrontos na região vão
contra os interesses da população
de etnia albanesa.
"O povo albanês precisa dizer
"basta" a esse ato suicida. É evidente que essa nova série de ataques e
contra-ataques vai totalmente
contra os interesses albaneses",
afirma o principal romancista e
poeta da Albânia, Ismail Kadaré,
que buscou asilo na França em
outubro de 1990, pouco antes da
queda do comunismo em sua terra natal. "A ditadura e a literatura
autêntica são incompatíveis", disse à época Kadaré, autor, entre
outros livros, de "A Ponte dos
Três Arcos", "Três Cantos Fúnebres para Kosovo", "A Pirâmide",
"Abril Despedaçado" (que serve
de base para o filme "Bolandeira",
dirigido por Walter Salles, com
estréia prevista para setembro),
"O Palácio dos Sonhos" e "Concerto no Fim do Inverno".
Leia a seguir trechos da entrevista que Kadaré, 65, concedeu à
Folha, por telefone, de Zagreb, capital da Croácia.
Folha - Como o sr. vê os últimos
conflitos na Macedônia? A ação dos
albaneses, que acusam o governo
de discriminação, é legítima?
Ismail Kadaré - Tudo o que está
acontecendo ali é lamentável, não
apenas para os Bálcãs, mas para
todo o povo albanês, que tentava
se reerguer após a tragédia de que
foi vítima em Kosovo, com a campanha de limpeza étnica sérvia
(patrocinada pelo líder iugoslavo
Slobodan Milosevic até o fim da
guerra de 1999). Agora, com os últimos incidentes, a imagem de
nosso povo sofreu um golpe fatal,
que só tende a piorar caso os albaneses não tomem uma atitude
imediatamente. O povo albanês
precisa dizer "basta" a esse ato
suicida. É evidente que essa nova
série de ataques e contra-ataques
vai contra os interesses albaneses.
É importante que não usem os
confrontos da Macedônia como
desculpa para um novo massacre
de albaneses nos Bálcãs.
Folha - A Otan (aliança militar
ocidental) aprovou uma participação maior das tropas iugoslavas
em Kosovo, aparentemente como
resposta ao que acontece em Tetovo e nos arredores...
Kadaré - Boa parte dos albaneses
acredita que os conflitos na Macedônia sejam fruto de um plano de
ação de centros antialbaneses,
que incentivam separatistas.
Isso equivale a cravar uma faca
nas costas do sonho de liberdade
em Kosovo. São manobras de estilo fascista-stalinista, com o objetivo de atiçar a hostilidade do Ocidente democrático em relação aos
albaneses. Visam provar que são
os albaneses que alimentam os
conflitos na região. São um convite indireto à reocupação de Kosovo pela Sérvia. O que vemos são
aventureiros albaneses levando o
Exército iugoslavo de volta a Kosovo. Como não pensar que esses
atos favorecem os piores inimigos
da Albânia? As declarações do
Ocidente foram bastante severas.
Mas não podemos usar isso como
pretexto para pôr fim ao papel da
Otan em Kosovo.
Folha - Os albaneses voltam a ser
considerados um fator de desestabilização nos Bálcãs...
Kadaré - Não é a primeira vez
que os albaneses contribuem para
sua própria desgraça. Com as
próprias mãos, destroem o que foi
construído com tanto esforço.
Os amigos da Sérvia opressora
do passado se rejubilam, agradecem aos aventureiros albaneses o
presente de valor incalculável.
Graças à loucura albanesa, justificam a posição cínica que adotaram anteriormente e fazem de tudo para apagar de nossa memória
os crimes sérvios. Tentam alterar
toda a lógica do conflito. Os albaneses agora aparecem como
agressores; os sérvios, como vítimas. Os albaneses assumem o papel do lobo; os sérvios, o de carneiro. A discriminação antialbanesa se intensifica na Europa.
O objetivo principal de Milosevic e do lobby pró-Sérvia era colocar a Otan contra os albaneses. É
uma ameaça que começa a se tornar realidade. Os extremistas albaneses concordam 100% com os
nacionalistas sérvios.
Folha - Que representatividade e
aceitação têm os albaneses que
combatem as tropas macedônias?
Cresce o apoio à "Grande Albânia"?
Kadaré - Há várias questões a ser
analisadas. Quem são os albaneses envolvidos nos confrontos na
Macedônia? Por que entraram
nesse jogo? Qual é o objetivo deles? Quem os dirige? O que representam? O povo albanês elegeu
seus dirigentes. Nenhum outro
grupo tem o direito de reivindicar
o título de representante do povo
albanês, que já deixou claro não se
identificar com a fantasia da
"Grande Albânia", esse monstro
tão apreciado pela propaganda
antialbanesa.
Folha - O que o sr. espera dos políticos albaneses?
Kadaré - Precisam tomar uma
atitude. O tempo não espera. Precisamos deixar de lado as divergências pessoais e apoiar homens
como Arben Xhaferri (líder do
Partido Democrático Albanês,
que integra a coalizão governista
na Macedônia), que defende posições realistas para o futuro.
Folha - Que conselho o sr. dá aos
albaneses?
Kadaré - Um antigo provérbio
diz: "Da árvore derrubada todos
querem a madeira". É preciso
prestar atenção. Todos vão tentar
se aproveitar das mazelas de nosso povo. Os albaneses não devem
perder a coragem espiritual, obtida a um preço elevado. Mas o povo albanês não deve cruzar os braços. Seus dirigentes, tanto em Kosovo quanto na Albânia, ou na
Macedônia, precisam refletir noite e dia para compreender como
sair dessa situação dramática.
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