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São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2003

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ELEIÇÕES NA ARGENTINA

Menem repete comício de 89, Kirchner vai à "capital do peronismo" e López Murphy visita bairro de classe média

Simbolismos marcam fim da campanha

Natacha Pisarenko/Associated Press
López Murphy acena a simpatizantes em comício no final da campanha eleitoral, em Buenos Aires


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A BUENOS AIRES
MARCELO BILLI
DE BUENOS AIRES

Para quem gosta de simbolismo, os atos de encerramento da campanha eleitoral argentina foram um prato cheio.
Carlos Saúl Menem, o ex-presidente que tenta voltar à Casa Rosada aos 72 anos, escolheu o "Monumental de Nuñez", o estádio do River Plate, o clube que é apelidado de "Millionários".
Parece o desejo de reafirmar sua condição de candidato dos mercados, como o definem todos os jornais, dos que o apóiam aos que o atacam duramente. Foi também uma reafirmação da frivolidade que marcou sua gestão, a ponto de atrair os fotógrafos das revistas de fofocas, para mostrar Cecília Bolocco, a mulher de Menem, ex-miss Chile, que estaria grávida.
No imenso palco, enfeitado pelas indefectíveis fotos do general Juan Domingo Perón (criador do peronismo) e de Evita Perón, Menem regeu, como maestro, a estrofe forte do hino argentino ("coronados de glória vivamos/ o juremos con glória morir"), para depois discursar, a partir de 22h.
Classificou de "verdadeira cabala" o fato de repetir o ato de encerramento no "Monumental", como em 1989, sua primeira vitória, e disse que voltava "para reconstruir novamente" a Argentina.
Já o seu principal rival no peronismo, Néstor Kirchner, preferiu o mercado central de La Matanza, "capital nacional do peronismo", segundo seu prefeito, Alberto Balestrini. La Matanza fica na Grande Buenos Aires, foi importante bairro operário no auge do peronismo, nos anos 50, e hoje é uma amostra da decadência argentina.
Kirchner justificou seu rótulo de "desenvolvimentista", ao dizer que a eleição é uma escolha entre o "modelo de concentração econômica, fome e falta de trabalho e o modelo da produção, do trabalho e da inclusão social", este obviamente encarnado por ele.
Ricardo López Murphy, o terceiro dos principais candidatos, segundo as pesquisas, encerrou a campanha anteontem, bem de acordo com o que se supõe ser o perfil de seu eleitorado: uma caminhada por Caminito, turístico e folclórico ponto da Boca, bairro de classe média baixa, pouco frequentado pela elegante "entourage" do candidato, que disputa com Menem o título de candidato dos mercados.
Antes, López Murphy fizera comício no microestádio de Lanus, no qual tratou de dar uma resposta forte, mas indireta, às críticas de seus adversários, que cuidam de vinculá-lo ao fracasso de Fernando de la Rúa, o presidente do qual foi ministro. "Não haverá helicóptero para este presidente", afirmou, em alusão ao fato de que De la Rúa fugiu da Casa Rosada de helicóptero para escapar da fúria popular, em dezembro de 2001.
Pôs ênfase também na questão da segurança, sabedor de que a violência se tornou um pesadelo para os argentinos, depois que provocou 5 mil mortes em 2002.
Seu candidato na Província de Buenos Aires, Hernán Lombardi, disse: "Vamos conseguir que, de novo, se possa caminhar de noite assobiando baixinho um tango".
Adolfo Rodríguez Saá, o terceiro candidato peronista e o que mais veste o figurino populista do movimento criado em 1946 pelo general Juan Domingo Perón, fez o comício final na sua terra (San Luis), com o óbvio apelo ao voto dos "descamisados".
A expressão, apropriada no Brasil por Fernando Collor de Mello em 1989, é de Evita Perón, a mulher do general, para aludir aos pobres que formaram a base do movimento peronista.
Por fim, Elisa Carrió, a "Lilita", fez comício em recinto fechado, tendo na mão direta o rosário que jamais abandona. Católica fervorosa, terminou o discurso com uma saudação típica de missa: "Que a paz esteja com todos nós".
Reforçou sua imagem de "mãos limpas": "Que bom é lutar quando se tem a consciência limpa".
Como Kirchner, atacou o modelo que "causou a fome". O público reagiu com o cântico: "No es comandante/no es general/es una gorda/nacional y popular", em alusão à robustez de Carrió e ao que se imagina ser o seu perfil.
Se as características que cada candidato valoriza ou que a mídia lhes atribui saíram realçadas dos atos finais, nem por isso dissolveu-se a situação de virtual empate técnico entre Menem, López Murphy e Kirchner (não necessariamente nessa ordem), com Rodríguez Saá e Carrió por perto.
"Vejo todos os dias todas as pesquisas, as que são publicadas pelos jornais e as que não são, e tudo que tenho hoje na cabeça é uma salada de números que não dizem grande coisa", diz Oscar Raúl Cardoso, jornalista e analista político.
No fundo, a dificuldade em antecipar o vencedor ou os dois que passarão ao segundo turno em maio reflete a confusão que é a própria Argentina, que mal começa a sair da mais profunda e grave crise econômico-social de uma história feita de crises.
Como ninguém tem muito claro como sair da crise ou o que será o país depois da posse do novo presidente, é natural que não haja tampouco clareza sobre quem o público vai preferir no domingo.


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