São Paulo, Quarta-feira, 25 de Agosto de 1999
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PODERES AMEAÇADOS
Chefe do Judiciário afirma que tribunal se autodissolveu ao aceitar interferência da constituinte
Presidente da Corte Suprema renuncia


da enviada especial à Venezuela

A presidente da Corte Suprema de Justiça da Venezuela, Cecilia Sosa, renunciou ontem ao cargo depois que os juízes acataram, por 8 votos a 6, uma decisão da Assembléia Nacional Constituinte que, na prática, suspende a atuação da própria Corte.
"Dirijo-me ao mundo democrático e em particular aos democratas de meu país (...) porque a Corte violou o Estado de Direito e avalizou a ingerência da Assembléia Nacional Constituinte sobre o Poder Judiciário", disse ela à imprensa.
Segundo a juíza, a mais alta Corte da Venezuela se "autodissolveu". "Ela se suicidou para evitar ser assassinada, e o resultado é o mesmo: Está morta", disse.
Em manifestações anteriores, Cecilia Sosa opinara que a constituinte poderia até modificar o sistema judiciário, mas só depois de elaborada a nova Constituição, não durante os trabalhos.
A juíza vinha recebendo discreto apoio do Supremo Tribunal Federal do Brasil. É vista com simpatia, inclusive, pelo presidente dessa Corte, Carlos Velloso, preocupado com a ingerência do governo, via constituinte, sobre o Poder Judiciário venezuelano.
O presidente Hugo Chávez perde duplamente com a renúncia de Sosa. Ela não fazia oposição ao seu projeto de renovação da Venezuela, em alguns casos até o elogiava. Só reagia duramente ao fim da autonomia do Judiciário.
O discurso de Chávez, com o qual obteve cerca de 56% dos votos, é contra a corrupção e os corruptos. Cecilia Sosa não se encaixa nesses casos. Ao contrário, tem uma ótima imagem em Caracas e pode se transformar numa opositora poderosa.
Outros focos de reação a Chávez são a imprensa local e setores do empresariado. Vicente Brito, presidente da Fedecámaras (uma espécie de federação das indústrias), critica abertamente o "Projeto de Constituição Bolivariana" apresentado pelo presidente à constituinte.
Em entrevista ao jornal "El Universal", um dos principais do país, ele disse que o projeto ameaça a propriedade privada, pois prevê desapropriações e a condiciona a uma "função social".
Em entrevista à Folha (leia na pág. 1-13), Chávez desprezou seus opositores, lembrando que tem cerca de 80% de aprovação popular, o que significa apoio em todas as camadas sociais, inclusive na elite acadêmica e empresarial.
O presidente acusou duramente o Judiciário de estar infiltrado pela corrupção, mas negou que haja ameaça à propriedade privada no projeto de Constituição.
Chávez tem sido politicamente pouco cauteloso, abrindo várias e fortes frentes de atrito simultâneas. Endurece com os EUA, anuncia disposição de dialogar com a guerrilha colombiana, não negocia com o Judiciário.
(ELIANE CANTANHÊDE)



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