São Paulo, Sábado, 25 de Dezembro de 1999


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O Natal em que a guerra parou


Reprodução
Soldados alemães cantam dentro de trincheira ao redor de árvore de Natal, em 1914. A foto foi tirada na frente oriental (onde eles enfrentavam a Rússia), mas retrata cenas semelhantes às ocorridas durante a trégua com os britânicos


Conheça a história da 1914, em que britânicos e alemães deixaram as armas de lado, tracaram presentes e até jogaram futebol no front de batalha da Primeira Guerra

MARCELO STAROBINAS
da Redação

A cena poderia ser parte de um quadro de ficção em um desses especiais de Natal na TV. Cessa o som dos disparos no campo de batalha. Desarmados, soldados de exércitos inimigos deixam as trincheiras e caminham em direção ao pelotão adversário. Encontram-se, apertam as mãos e desejam feliz Natal. Trocam presentes. Sentam-se juntos para a ceia. E, por que não, jogam futebol.
É por parecer um absurdo completo, um delírio pacifista de algum soldado traumatizado, que muitos na Europa relutaram em acreditar que a trégua do Natal de 1914 realmente aconteceu.
Há 85 anos, poucos meses após começada a Primeira Guerra Mundial, militares britânicos e alemães (alguns belgas e franceses também) protagonizaram a "cena de filme" descrita acima.
"Caminhei até a metade da terra de ninguém, onde encontrei (...) um oficial alemão. Nós nos cumprimentamos, desejamos feliz Natal e concordamos que os dois lados se absteriam de hostilidades até o dia seguinte. Então, trocamos alguns presentes como pudins de ameixa, whisky e brandy, e assim fizeram também nossos homens", relatou o capitão britânico Walther Stennes, que comandava uma unidade em região próxima a Neuve Chapelle.
O cessar-fogo foi observado ao longo de cerca de 30 km no front ocidental, no norte da França e na Bélgica, onde os britânicos ajudavam os belgas e os franceses a conter a ofensiva territorial da Alemanha sobre seus países.
Segundo Malcolm Brown, historiado do Imperial War Museum de Londres e autor do livro "Christmas Truce" (Trégua de Natal), os soldados que se encontraram "descobriram que os inimigos eram seres humanos também, que também carregavam fotos de suas famílias".
Brown afirma que o grande acúmulo de cadáveres entre as posições da Alemanha e dos aliados contribuiu para a trégua. "Houve muitos casos em que eles concordaram em fazer um cessar-fogo para enterrar os mortos."
A Primeira Guerra Mundial (1914-18) entrou para a história como um dos maiores massacres de soldados (cerca de 9 milhões de mortos) devido principalmente ao que ficou conhecido como a "guerra de trincheiras".
Naquela época, com a aviação de guerra ainda engatinhando, os exércitos avançavam por terra contra o inimigo, perdendo milhares de homens em cada combate. Em apenas 24 horas, no primeiro dia da Batalha do Somme, em julho de 1916, o Reino Unido perdeu 19.240 homens (a pior derrota militar em um só dia de sua história).
Cada lado cavava suas trincheiras e ali permanecia combatendo por meses, anos às vezes, sem que houvesse mudanças geográficas significativas.
A brutalidade daquele conflito é o que dá à trégua do Natal de 1914 uma áurea de mito, "um episódio humano em meio a todas as atrocidades", como define Brown em seu livro. "Foi um dia de paz na guerra", comentou um soldado alemão. "Só foi uma pena que não foi uma paz decisiva."
E não foi mesmo. À medida que os meses se passaram e os corpos foram se empilhando, a possibilidade de novas tréguas foi se esvaindo. Houve, é verdade, uma pequena pausa no Natal de 1915. Mas de 1916 -ano das horrivelmente famosas batalhas do Somme e de Verdun- em diante, a camaradagem entre inimigos voltou a ser algo impraticável, possível apenas nas telas do cinema.



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