São Paulo, quarta-feira, 25 de dezembro de 2002

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Dependência econômica ameaça governo

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

O presidente Hugo Chávez tem seu governo ameaçado por uma persistente greve geral, que já dura mais de três semanas, em parte por conta da dependência econômica venezuelana da receita obtida com a exportação de petróleo.
A ironia é que os efeitos nefastos dessa dependência, exceto particularidades locais, têm explicação teórica desde os anos 70, quando um fenômeno chamado "mal holandês" foi descrito por economistas. Ele foi observado pela primeira vez na Holanda, em 1973, quando o preço do gás natural teve uma elevação acentuada.
Não faltam fatos para ilustrar a predominância da indústria petrolífera na economia da Venezuela. Desde o governo do presidente Rómulo Betancourt (1959-1964), os líderes políticos do país buscam lutar contra os males acarretados pela entrada da receita da exportação de petróleo.
Contudo foi no primeiro mandato do ex-presidente Carlos Andrés Pérez (1974-1979) que o "mal holandês" começou a ser realmente sentido no país. Em 1974, durante o primeiro choque do petróleo, o preço internacional do barril subiu 400% em seis meses, propiciando um forte aporte de divisas à economia venezuelana.
"Em 1974 e em 1975, os membros da Opep [Organização dos Países Exportadores de Petróleo" se viram inundados de dólares, mas, paradoxalmente, isso foi terrível para a economia de boa parte desses Estados a longo prazo", explicou à Folha Philippe Norel, co-autor de "Economie Internationale" e especialista em desenvolvimento econômico.
Estatísticas atuais sobre a economia venezuelana comprovam sua afirmação. Cerca de 25% do PIB (total de riquezas produzidas) provém da comercialização do petróleo, que é responsável por 80% das exportações, a maior fonte de dólares do país.
Por volta de 50% da arrecadação de impostos advém da indústria petrolífera. A greve da Petróleos de Venezuela provoca perdas de US$ 50 milhões ao dia -em 23 dias, descontados os outros prejuízos causados pela paralisação, cerca de 1% do PIB venezuelano (US$ 125 bilhões) evaporou.
No segundo trimestre de 2002, por causa da crise política de abril último, que bloqueou a produção de petróleo, o país teve uma queda de seu PIB estimada em 9%. E há inúmeros outros exemplos. Porém a explicação teórica das razões pelas quais países exportadores de petróleo se tornam tão dependentes de seu bem mais precioso é relativamente simples.
"Após 1974, a forte entrada de dólares fez com que a indústria petrolífera prosperasse em países produtores. Mas isso causou a fuga de capital e de trabalho dos outros setores exportadores para o do petróleo, que buscava mão-de-obra qualificada. E o preço dos fatores de produção, sobretudo do trabalho, subiu. Já o aumento do poder de compra da população ajudou os setores produtores de bens não-exportáveis, reforçando a dependência do petróleo para obter divisas", avaliou Norel.
"Em teoria, a entrada maciça de dólares pode ter dois efeitos: a valorização da moeda local se a moeda estrangeira entra diretamente na economia ou o aumento da inflação se o Banco Central decide não permitir que a moeda nacional se valorize muito. Todavia, em ambos os casos, os setores exportadores não-petrolíferos são prejudicados, pois seus produtos ficam mais caros internacionalmente. Trata-se, portanto, de um círculo vicioso favorável apenas à indústria do petróleo, cujo preço é estabelecido pelo mercado internacional."

Possíveis soluções
Para Norel, há três modos de atacar o "mal holandês". Primeiro, o país pode desvalorizar sua moeda regularmente, buscando compensar a inflação ou a oscilação do câmbio causada pela entrada de dólares. Alguns presidentes venezuelanos optaram por essa saída, mas, sobretudo na última década, ela mostrou-se ineficaz. Desde 1993, o bolívar foi desvalorizado em mais de 13.000% sem que a questão fosse resolvida.
Segundo, o Estado pode aplicar uma política de favorecimento ou de subsídio aos setores industriais não-petrolíferos passíveis de gerar receitas com exportações. Essa estratégia funcionou bem na Indonésia, nas décadas de 70 e 80.
Na Venezuela, Pérez, no início de seu segundo governo (1989-1993), lançou um ambicioso programa que visava reduzir a dependência econômica do petróleo. Porém, por conta de casos de corrupção e da má gestão da aplicação do plano, a iniciativa fracassou, causando um surto inflacionário e tensão social. Pérez já tentara (sem sucesso), nos anos 70, introduzir uma política similar.
Terceiro, um país que sofre do "mal holandês" pode optar por impedir a entrada de dólares em sua economia, investindo em ativos no exterior.
"Alguns países árabes, como o Kuait, fizeram essa opção. É por isso que muitos dos locais mais valorizados de Paris ou de Nova York pertencem a xeques árabes", explicou Norel.
Todavia, num país já bastante dividido, os efeitos de tal medida poderiam ser terríveis. Assim, se não conseguir normalizar a produção de petróleo logo, Chávez deverá transpor um obstáculo enorme para manter-se no poder.


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