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Dependência econômica ameaça governo
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
O presidente Hugo Chávez tem
seu governo ameaçado por uma
persistente greve geral, que já dura mais de três semanas, em parte
por conta da dependência econômica venezuelana da receita obtida com a exportação de petróleo.
A ironia é que os efeitos nefastos
dessa dependência, exceto particularidades locais, têm explicação
teórica desde os anos 70, quando
um fenômeno chamado "mal holandês" foi descrito por economistas. Ele foi observado pela primeira vez na Holanda, em 1973,
quando o preço do gás natural teve uma elevação acentuada.
Não faltam fatos para ilustrar a
predominância da indústria petrolífera na economia da Venezuela. Desde o governo do presidente Rómulo Betancourt (1959-1964), os líderes políticos do país
buscam lutar contra os males
acarretados pela entrada da receita da exportação de petróleo.
Contudo foi no primeiro mandato do ex-presidente Carlos Andrés Pérez (1974-1979) que o "mal
holandês" começou a ser realmente sentido no país. Em 1974,
durante o primeiro choque do petróleo, o preço internacional do
barril subiu 400% em seis meses,
propiciando um forte aporte de
divisas à economia venezuelana.
"Em 1974 e em 1975, os membros da Opep [Organização dos
Países Exportadores de Petróleo"
se viram inundados de dólares,
mas, paradoxalmente, isso foi terrível para a economia de boa parte desses Estados a longo prazo",
explicou à Folha Philippe Norel,
co-autor de "Economie Internationale" e especialista em desenvolvimento econômico.
Estatísticas atuais sobre a economia venezuelana comprovam
sua afirmação. Cerca de 25% do
PIB (total de riquezas produzidas) provém da comercialização
do petróleo, que é responsável
por 80% das exportações, a maior
fonte de dólares do país.
Por volta de 50% da arrecadação de impostos advém da indústria petrolífera. A greve da Petróleos de Venezuela provoca perdas
de US$ 50 milhões ao dia -em 23
dias, descontados os outros prejuízos causados pela paralisação,
cerca de 1% do PIB venezuelano
(US$ 125 bilhões) evaporou.
No segundo trimestre de 2002,
por causa da crise política de abril
último, que bloqueou a produção
de petróleo, o país teve uma queda de seu PIB estimada em 9%. E
há inúmeros outros exemplos.
Porém a explicação teórica das razões pelas quais países exportadores de petróleo se tornam tão dependentes de seu bem mais precioso é relativamente simples.
"Após 1974, a forte entrada de
dólares fez com que a indústria
petrolífera prosperasse em países
produtores. Mas isso causou a fuga de capital e de trabalho dos outros setores exportadores para o
do petróleo, que buscava mão-de-obra qualificada. E o preço dos fatores de produção, sobretudo do
trabalho, subiu. Já o aumento do
poder de compra da população
ajudou os setores produtores de
bens não-exportáveis, reforçando
a dependência do petróleo para
obter divisas", avaliou Norel.
"Em teoria, a entrada maciça de
dólares pode ter dois efeitos: a valorização da moeda local se a
moeda estrangeira entra diretamente na economia ou o aumento da inflação se o Banco Central
decide não permitir que a moeda
nacional se valorize muito. Todavia, em ambos os casos, os setores
exportadores não-petrolíferos
são prejudicados, pois seus produtos ficam mais caros internacionalmente. Trata-se, portanto,
de um círculo vicioso favorável
apenas à indústria do petróleo,
cujo preço é estabelecido pelo
mercado internacional."
Possíveis soluções
Para Norel, há três modos de
atacar o "mal holandês". Primeiro, o país pode desvalorizar sua
moeda regularmente, buscando
compensar a inflação ou a oscilação do câmbio causada pela entrada de dólares. Alguns presidentes venezuelanos optaram por
essa saída, mas, sobretudo na última década, ela mostrou-se ineficaz. Desde 1993, o bolívar foi desvalorizado em mais de 13.000%
sem que a questão fosse resolvida.
Segundo, o Estado pode aplicar
uma política de favorecimento ou
de subsídio aos setores industriais
não-petrolíferos passíveis de gerar receitas com exportações. Essa
estratégia funcionou bem na Indonésia, nas décadas de 70 e 80.
Na Venezuela, Pérez, no início
de seu segundo governo (1989-1993), lançou um ambicioso programa que visava reduzir a dependência econômica do petróleo. Porém, por conta de casos de
corrupção e da má gestão da aplicação do plano, a iniciativa fracassou, causando um surto inflacionário e tensão social. Pérez já tentara (sem sucesso), nos anos 70,
introduzir uma política similar.
Terceiro, um país que sofre do
"mal holandês" pode optar por
impedir a entrada de dólares em
sua economia, investindo em ativos no exterior.
"Alguns países árabes, como o
Kuait, fizeram essa opção. É por
isso que muitos dos locais mais
valorizados de Paris ou de Nova
York pertencem a xeques árabes",
explicou Norel.
Todavia, num país já bastante
dividido, os efeitos de tal medida
poderiam ser terríveis. Assim, se
não conseguir normalizar a produção de petróleo logo, Chávez
deverá transpor um obstáculo
enorme para manter-se no poder.
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