São Paulo, domingo, 26 de abril de 1998

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TRAGÉDIA HISTÓRICA
Lobbies da Armênia e da Turquia atuam nos EUA para divulgar suas versões sobre genocídio armênio
Clinton homenageia vítimas armênias

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
de Washington

O presidente dos EUA, Bill Clinton, divulgou na quinta-feira declaração em que diz se juntar aos armênios-americanos na lembrança de "um dos mais tristes capítulos da história desse século, a deportação e massacre de 1,5 milhão de armênios no Império Otomano nos anos de 1915 a 1923".
Com o início da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), ganhou força entre os armênios a idéia de independência. Muitos se alistaram para combater junto com os inimigos do Império Otomano, especialmente a Rússia. Em 1915, os turcos ordenam a deportação de armênios para a Síria e Palestina. No trajeto, centenas de milhares foram mortos, num dos maiores genocídios do século 20.
A manifestação de Clinton, mais os fatos de que a Armênia é o segundo maior país beneficiário de ajuda norte-americana per capita (inferior apenas a Israel) e de que 50 parlamentares fazem parte do grupo de pressão pró-Armênia no Congresso dos EUA, pode dar a impressão de que as duas nações são aliadas automáticas e íntimas.
A verdade é mais intrincada. O lobby armênio nos EUA é, de longe, o mais poderoso dentre os dos países da região do mar Cáspio e do Cáucaso. Mas o da Turquia não é pequeno e há muitos interesses mobilizados a favor do Azerbaijão, aliado turco, o que torna o problema muito mais complexo.
A própria declaração de Clinton, por exemplo, em vez de ser saudada pelos armênios como uma vitória, foi interpretada como insuficiente, pois não incluiu a palavra "genocídio" para descrever os acontecimentos de 1915.
Enquanto, em Washington, Clinton divulgava sua declaração, em Ierevan, capital da Armênia, milhares de estudantes se concentravam diante da Embaixada dos EUA para pedir o reconhecimento oficial do país de que turcos praticaram genocídio contra armênios.
Clinton não vai atender a reivindicação, embora na campanha presidencial de 1992 ele tenha chamado os incidentes de 1915 de "genocídio". Na verdade, sua tendência é caminhar na direção contrária, pressionando o governo armênio para chegar a um entendimento com o Azerbaijão na questão de Nagorno-Karabah.
Esse território, habitado por armênios (cristãos), foi entregue por Moscou ao Azerbaijão (muçulmano) em 1923 e reconquistado por forças armênias nos anos 90.
O lobby armênio é poderoso porque representa uma comunidade étnica de cerca de 300 mil pessoas, segundo o Censo dos EUA. Fontes armênias falam em 1 milhão de armênios e descendentes. No grupo de congressistas que apóia a Armênia, a maioria é do Partido Democrata (de Clinton) e há, entre eles, algumas estrelas, como Patrick Kennedy, de Rhode Island, filho do senador Edward Kennedy, um cacique partidário.
Mas o "time adversário" não é menosprezível. Há os aliados históricos da Turquia (como os republicanos George Shultz, ex-secretário de Estado, e Jesse Helms, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado) e os representantes de empresas exploradoras de petróleo (como o ex-secretário do Tesouro de Clinton, Lloyd Bentsen, e o ex-assessor de segurança nacional de Carter, Zbigniew Brzezinski).
Querem não só que Clinton não fale em genocídio armênio (veja versão turca na cronologia abaixo) como também que suspenda ou atenue as sanções impostas ao Azerbaijão em 92 por causa do bloqueio do país contra a Armênia devido a Nagorno-Karabah.
Nenhum desses grandes nomes é formalmente lobista do Azerbaijão ou da Turquia. Mas eles jogam pesado contra o lobby armênio, argumentando que os EUA não podem ter política de alinhamento automático numa região conflagrada, que tem o segundo maior depósito de petróleo do mundo.
E, embora o lobby turco não seja tão poderoso quanto o armênio, ele tem algum peso. Afinal, a Turquia faz parte da Otan (aliança militar liderada pelos EUA), é um aliado histórico dos EUA e, apesar da aproximação de Washington com Teerã, ainda tem importância estratégica no embate com o Irã.
Em janeiro, por exemplo, o embaixador da Turquia nos EUA, Nuzhet Kandemir, participou de debate na Universidade George Washington, na capital americana. O principal assunto foram os eventos de 1915. "Os números do pretenso genocídio são produto da imaginação", disse ele. "Por que ninguém fala sobre os turcos massacrados pelos armênios?"
Em março, cerca de 1.500 pessoas participaram em Washington de um seminário sobre as relações entre Turquia e EUA e pediram ao governo Clinton maior atenção para as necessidades turcas.
Afinal, o lobby turco pode não ser tão grande e poderoso quanto o armênio, mas foi suficiente para criar um problema para a revista "Time", no seu processo de escolha do "Homem do Século".
Embora não seja uma eleição direta, o mecanismo para definir o "Homem do Século" inclui sugestões de leitores. E, graças a um esforço da comunidade turca, o vencedor disparado nas indicações é Mustafa Kemal Ataturk, que estabeleceu a república na Turquia, em 1923. Num só dia, "Time" recebeu 170 mil cartas a favor de Ataturk. Uma demonstração de força nada desprezível.



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