|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livro aborda o massacre
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
Um jovem armênio de 24
anos, Salomon Teilirian, mata
a tiros às 11h do dia 21 de março de 1915, na rua Hardenberg,
em Berlim, o ex-grão-vizir da
Turquia Talaat Paxá, que estava com 59 anos, caíra em desgraça em seu país e obtivera
asilo na Alemanha.
Teilirian, apesar de réu confesso, foi absolvido a 3 de junho pelo Terceiro Tribunal de
Primeira Instância de Berlim.
Se aplicada ao pé da letra pelos 12 jurados, a legislação penal da República de Weimar
estipularia para o homicídio a
pena de morte. Mas o veredicto
tinha uma outra dimensão. Talaat, de vítima, tornou-se documentalmente o carrasco de
um genocídio que os armênios
afirmam ter ceifado a vida de
mais de 1 milhão dos seus.
Uma editora alemã publicou
ainda em 1921 os autos do processo. É o mesmo texto que a
Paz e Terra traduziu no Brasil
-"Um Genocídio em Julgamento - O Processo Talaat Paxá na República de Weimar".
Trata-se da única peça judicial em meio a uma ampla bibliografia sobre a operação
concebida pelo Comitê para a
Unidade e o Progresso, órgão
dos chamados Jovens Turcos
ao qual se atribuiu a missão de
eliminar fisicamente a nação
armênia, entre 1915 e 1918.
O livro é exemplar pelo valor
histórico dos depoimentos
reunidos pela defesa. Os requintes de brutalidade são de
embrulhar o estômago.
"Das mulheres grávidas eles
partiam as costelas, arrancavam a criança e jogavam fora", diz uma das testemunhas,
que também relata a prática de
estupros em massa. "Vi partirem o crânio do meu irmão
com um machado", diz o réu.
"Arrastaram minha irmã e a
violentaram."
Ele próprio, dado como morto, ao acordar, viu o corpo de
sua mãe de bruços e o corpo de
seu irmão sobre o dele. Números citados por peritos no processo indicam que, dos 1,8 milhão de armênios que então viviam na Turquia, 1,4 milhão
foram deportado com a expressa recomendação de apenas 10% chegarem ao destino.
Se cumprida ao pé da letra, a
recomendação teria levado à
morte de 1,26 milhão de pessoas. Os turcos admitiram oficiosamente "apenas" 300 mil.
Oficialmente, porém, o genocídio inexistiu. Nenhum tribunal internacional tratou do
caso e nenhum equivalente ao
de Nurembergue apurou responsabilidades pelo massacre.
O contexto histórico -que o
livro da Paz e Terra ignora- é
dos mais complicados. Os armênios viveram pacificamente
por seis séculos dentro do Império Otomano, que por sua
vez ingressa no século 20 em
rápido processo de declínio.
Queda de um império
Em 1911, os turcos perdem
uma rápida guerra para a Itália. Nos dois anos seguintes,
saem enfraquecidos pelas duas
primeiras guerras dos Bálcãs.
Aliam-se aos alemães, em 1914,
na Primeira Guerra Mundial.
Ingleses e franceses, bem antes disso, procuram instrumentalizar o nacionalismo armênio para criar dificuldades à
manutenção da unidade turca.
O troco é violento. Em 1909,
um primeiro massacre de armênios faz 20 mil vítimas. A
senha para a nova operação de
extermínio é dada em abril de
1915, com a prisão em massa
de intelectuais e líderes comunitários armênios.
Juntamente com Enver Paxá
(1881-1922), Talaat Paxá procura eliminar o que os Jovens
Turcos acreditam ser um obstáculo nacional (minoria inassimilável), religioso (minoria
cristã num decadente império
muçulmano) e militar (há 2,3
milhões de armênios na Rússia, muitos oficiais do czar).
Deu no que deu. A Armênia
se tornou uma das repúblicas
soviéticas, que abrigou apenas
a minoria de uma diáspora hoje estimada em 5,1 milhões de
pessoas.
Uma população que seria incomparavelmente maior sem o
trauma dessa grande matança
que permanece impune.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|