São Paulo, domingo, 26 de abril de 1998

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TRAGÉDIA HISTÓRICA
Para Christopher Walker, mesmo armênios divergem sobre participação otomana no genocídio de seu povo
Historiador debate papel do poder otomano

Associated Press
Arcebispo armênio (esq.) diante de memorial em Nova Jersey (EUA)


de Londres

A participação dos dirigentes otomanos no genocídio armênio ainda é controversa, mesmo entre os próprios armênios.
Segundo o historiador britânico Christopher Walker, autor do livro "Armênia, a Sobrevivência de uma Nação" (1980), a questão é "complexa". "Havia uma autoridade dupla dentro do governo otomano nesse período. Você tinha o governo fazendo uma coisa e o partido fazendo outra."
Walker afirma que, aparentemente, a decisão de deportar e exterminar os armênios partiu exclusivamente do partido.
Para ele, ainda, dentre as diversas estimativas de vítimas do genocídio (turcos falam em no máximo 600 mil vítimas; armênios apontam para até 1,5 milhão de mortos), uma é a mais confiável -1,1 milhão de armênios teriam sido mortos em 1915.
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que Walker concedeu à Folha. (ISABEL VERSIANI)

Folha - Há consenso sobre o número de mortos no genocídio de 1915 na Armênia?
Christopher Walker -
É um ponto controverso, mas uma fonte que eu considero confiável são as instituições de caridade alemãs que atuavam na região.
Elas registram 1,1 milhão de mortos. Os alemães estavam do mesmo lado dos turcos durante a Primeira Guerra Mundial (1914-18), portanto eles não teriam nenhum interesse em aumentar a estimativa.
Se considerarmos ainda os armênios mortos em 1918, quando eles conquistaram a nova república, e somarmos a isso os que morreram depois do armistício por falta de abrigo e comida, 1,5 milhão é um número razoável.
Os turcos não aceitam esse cálculo. Eles falam que o número é muito menor, algo entre 600 mil. Alguns até dizem 300 mil, mas essa estimativa não é encontrada em nenhuma terceira parte desinteressada, o que considero essencial.
Folha - Os números aceitos pelos historiadores mudaram muito ao longo dos anos?
Walker -
Até muito recentemente ninguém discutia a questão armênia. Era uma questão inteiramente esquecida pela comunidade internacional. Isso aconteceu até os anos 70. Então nenhum número era citado, era uma questão que apenas os armênios discutiam.
Folha - Por que a questão voltou a surgir nos anos 70?
Walker -
Até certo ponto por causa dos EUA. Há muitos armênios nos EUA, e nessa época essa comunidade estava reafirmando sua própria nacionalidade. Eles perceberam que não precisavam fingir ser anglo-saxões.
Folha - Qual foi a reação das potências mundiais quando do genocídio?
Walker -
Elas estavam preocupadas, mas não faziam nada a não ser enviar ajuda humanitária. Elas fizeram coisas boas nesse aspecto. Muita ajuda foi enviada, mas não houve ajuda política.
Depois do armistício de 1918, os britânicos começaram a apoiar os turcos contra os armênios em algumas questões.
Desde 1820, a aliança entre os dois países foi muito forte, porque o Império Otomano era visto como uma garantia contra a expansão da Rússia, que ameaçava o Império Britânico.
Folha - Há consenso sobre a atuação dos dirigentes otomanos no episódio? Entende-se que eles foram coniventes com o massacre ou que o estimularam diretamente?
Walker -
Não há consenso, nem entre os armênios. É uma questão imensamente complexa. Em parte, porque havia uma autoridade dupla dentro do Império Otomano nesse período. Você tinha o governo fazendo uma coisa e o partido fazendo outra.
Parece que a decisão de deportar e exterminar os armênios foi inteiramente do partido. Eles tinham os seus próprios funcionários, que eram separados dos do governo. Mais ou menos como funcionava na União Soviética. Nós temos evidência de que muitos documentos foram destruídos nessa época.



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