|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TRAGÉDIA HISTÓRICA
Para Christopher Walker, mesmo armênios divergem sobre participação otomana no genocídio de seu povo
Historiador debate papel do poder otomano
Associated Press
|
Arcebispo armênio (esq.) diante de memorial em Nova Jersey (EUA)
|
de Londres
A participação dos dirigentes
otomanos no genocídio armênio
ainda é controversa, mesmo entre
os próprios armênios.
Segundo o historiador britânico
Christopher Walker, autor do livro "Armênia, a Sobrevivência de
uma Nação" (1980), a questão é
"complexa". "Havia uma autoridade dupla dentro do governo
otomano nesse período. Você tinha o governo fazendo uma coisa
e o partido fazendo outra."
Walker afirma que, aparentemente, a decisão de deportar e exterminar os armênios partiu exclusivamente do partido.
Para ele, ainda, dentre as diversas estimativas de vítimas do genocídio (turcos falam em no máximo 600 mil vítimas; armênios
apontam para até 1,5 milhão de
mortos), uma é a mais confiável
-1,1 milhão de armênios teriam
sido mortos em 1915.
Leia abaixo os principais trechos
da entrevista que Walker concedeu à Folha.
(ISABEL VERSIANI)
Folha - Há consenso sobre o número de mortos no genocídio de
1915 na Armênia?
Christopher Walker - É um
ponto controverso, mas uma fonte
que eu considero confiável são as
instituições de caridade alemãs
que atuavam na região.
Elas registram 1,1 milhão de
mortos. Os alemães estavam do
mesmo lado dos turcos durante a
Primeira Guerra Mundial
(1914-18), portanto eles não teriam
nenhum interesse em aumentar a
estimativa.
Se considerarmos ainda os armênios mortos em 1918, quando
eles conquistaram a nova república, e somarmos a isso os que morreram depois do armistício por falta de abrigo e comida, 1,5 milhão é
um número razoável.
Os turcos não aceitam esse cálculo. Eles falam que o número é
muito menor, algo entre 600 mil.
Alguns até dizem 300 mil, mas essa
estimativa não é encontrada em
nenhuma terceira parte desinteressada, o que considero essencial.
Folha - Os números aceitos pelos
historiadores mudaram muito ao
longo dos anos?
Walker - Até muito recentemente ninguém discutia a questão
armênia. Era uma questão inteiramente esquecida pela comunidade
internacional. Isso aconteceu até
os anos 70. Então nenhum número
era citado, era uma questão que
apenas os armênios discutiam.
Folha - Por que a questão voltou
a surgir nos anos 70?
Walker - Até certo ponto por
causa dos EUA. Há muitos armênios nos EUA, e nessa época essa
comunidade estava reafirmando
sua própria nacionalidade. Eles
perceberam que não precisavam
fingir ser anglo-saxões.
Folha - Qual foi a reação das potências mundiais quando do genocídio?
Walker - Elas estavam preocupadas, mas não faziam nada a não
ser enviar ajuda humanitária. Elas
fizeram coisas boas nesse aspecto.
Muita ajuda foi enviada, mas não
houve ajuda política.
Depois do armistício de 1918, os
britânicos começaram a apoiar os
turcos contra os armênios em algumas questões.
Desde 1820, a aliança entre os
dois países foi muito forte, porque
o Império Otomano era visto como uma garantia contra a expansão da Rússia, que ameaçava o Império Britânico.
Folha - Há consenso sobre a
atuação dos dirigentes otomanos
no episódio? Entende-se que eles
foram coniventes com o massacre
ou que o estimularam diretamente?
Walker - Não há consenso, nem
entre os armênios. É uma questão
imensamente complexa. Em parte, porque havia uma autoridade
dupla dentro do Império Otomano nesse período. Você tinha o governo fazendo uma coisa e o partido fazendo outra.
Parece que a decisão de deportar
e exterminar os armênios foi inteiramente do partido. Eles tinham
os seus próprios funcionários, que
eram separados dos do governo.
Mais ou menos como funcionava
na União Soviética. Nós temos evidência de que muitos documentos
foram destruídos nessa época.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|