|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ARTIGO
Fuga de Houston
MARCOS PONTES
ESPECIAL PARA A FOLHA
O sol brilhava intensamente. O
calor era insuportável. No mínimo 40C. Os olhos e o nariz ardiam com os gases de combustão
e o cheiro de gasolina dos motores. Qualquer brisa seria muito
bem-vinda. Mas o ar estava parado, como no momento, sem fôlego, que antecede algo terrível. De
tempos em tempos era necessário
fechar as janelas e ligar o ar-condicionado. O alívio durava apenas
alguns minutos, até o indicador
de temperatura do carro subir perigosamente. Não seria uma boa
idéia ficar ali, no meio daquela estrada, e arriscar a possibilidade de
enfrentar no dia seguinte a chuva
e os ventos de mais de 200 km/h,
sem proteção.
Eram milhares de carros, caminhões, ônibus, todos os tipos possíveis de veículos, lotados de documentos, animais, fotos, recordações, roupas, comida, água, o
mínimo, que cada uma daquelas
pessoas considerou essencial salvar da fúria do Rita, que se aproximava rapidamente e ganhava força no golfo do México.
"Inacreditável! Isto não pode estar acontecendo conosco! Justamente agora!" desabafou Fátima,
minha mulher, balançando a cabeça enquanto avaliava a seriedade da situação.
Saímos de casa às oito horas da
noite. O dia tinha sido de trabalho
intenso, escolhendo o que salvar
conosco e embalando o que ficaria, guardado em sacos plásticos,
amarrado nos pontos mais altos
do interior da casa. Era a esperança de que alguma coisa pudesse
sobreviver à tormenta. A viagem
de 300 km entre Houston de Dallas durou 17 horas em primeira
marcha. Dirigir continuamente
por esse período, após um dia
completo de preparação de material em casa, foi um desafio à parte. O sono tornou-se quase incontrolável nas últimas horas da viagem. A partida foi lenta e triste,
deixando para trás cansaço e vulnerabilidade. A viagem foi longa,
com tempo de avaliar nossas vidas e prioridades.
Centenas de carros com o capô
aberto, sem combustível ou com
algum outro problema, ficaram
pelo canteiro central. Pessoas se
ajudavam, transportando o que
era possível nos veículos que ainda funcionavam.
A área de Houston é o maior
centro de produção e processamento de petróleo dos Estados
Unidos. Um impacto direto sobre
a cidade teria conseqüências
enormes sobre esse fator da economia do país. Além disso, outros
setores de destaque da cidade como as pesquisas médicas (Houston Medical Center) e as atividades espaciais seriam fortemente
afetadas.
Livros de russo
Nesta semana, o controle da Estação Espacial Internacional foi
passado inteiramente para o Centro de Controle em Moscou na
Rússia. Em Johnson Space Center
todas as operações foram canceladas, a partir de quarta-feira, sem
previsão de retorno. A construção
da Estação Espacial Internacional, já afetada em termos de cronograma devido ao atraso do retorno ao vôo dos ônibus espaciais,
poderá ser ainda mais atrasada.
Quanto ao treinamento na Rússia e a decolagem para a realização da primeira missão científica
orbital brasileira, as datas permanecem as mesmas. No cronograma atual, ainda dependente da assinatura final do contrato entre a
Agência Espacial Brasileira e a
Agência Espacial Russa, eu deverei seguir para início de treinamento em "starcity", a 25 km de
Moscou, até o final deste mês de
setembro. O vôo deverá partir de
Baikonur, Cazaquistão, em abril
de 2006. Trouxe comigo meus livros de russo e os manuais técnicos das espaçonaves.
Quanto ao Rita, sabemos que o
espaço destruído pela fúria da tormenta será ocupado por novas
casas, prédios, ruas, jardins,
crianças brincando. Destruir é a
natureza do furacão, e de outros
fenômenos naturais ou não. Mas,
sobreviver, ser feliz, são partes da
natureza humana.
Marcos Cesar Pontes, tenente-coronel
da Força Aérea Brasileira, treina desde
1998 na Nasa, em Houston, para ser o
primeiro astronauta brasileiro a fazer
viagem espacial em 2006
Texto Anterior: EUA: Rita passa, mas inundações ameaçam o sul Próximo Texto: No olho do furacão: Cidade parece cenário vazio e saqueado Índice
|