São Paulo, segunda-feira, 26 de setembro de 2005

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NO OLHO DO FURACÃO

Entre estilhaços, sirenes tocam sozinhas em Beaumont, no Texas, uma das mais atingidas

Cidade parece cenário vazio e saqueado

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BEAUMONT

Entrar numa cidade vazia que poucos dias atrás contava com seus 120 mil habitantes é como entrar numa cidade-cenário que tivesse acabado de ser construída para uma cena de um filme. Entrar numa cidade vazia que poucas horas atrás viu o olho de um furacão passar por suas ruas é pior: lembra a mesma cidade cenográfica, mas que fosse saqueada e destruída por bárbaros. Assim está Beaumont, na fronteira do Texas com a Louisiana, com o acesso totalmente fechado pela polícia inclusive para seus moradores, à qual a Folha teve acesso no fim da tarde de anteontem.
De cara, um aviso de que a situação adiante não será normal: a rua principal de acesso da rodovia interestadual I-10 ao centro da cidade está interrompida por um poste de luz derrubado pela força do Rita, que entrou no continente norte-americano por essa região do golfo, com ventos de até 190km/h, capazes de fazer voar pessoas, arrancar telhados, dobrar árvores e quebrar postes de luz, como esse que agora impede a passagem à cidade.
Improvisado um desvio pelo estacionamento de um supermercado com todos os vidros quebrados, o segundo sinal: cinco metros de água tomam a rua principal de Beaumont na passagem do centro velho para o porto, onde estão ancorados os petroleiros que movem a economia daqui. Foi aqui, aliás, que começou a "corrida do óleo", em 1901, com a descoberta do primeiro poço do Texas.
Mas a cidade, em si, não é rica como suas irmãs mais ao norte e a sudoeste, casos de Houston, Austin e Dallas. Nem republicana. O Condado (divisão administrativa norte-americana) em que está foi o único no sul do Estado a votar no democrata John Kerry nas últimas eleições presidenciais, não no "filho da terra" George W. Bush. Os eleitores eram trabalhadores da indústria do petróleo, na maioria, compostos de brancos e negros em igual proporção.
Negra, aliás, é a cor do homem que está sendo parado pela polícia agora, em frente à loja de cristais Antique Art Gallery, que tem os vidros quebrados, o teto arrancado, mas aparentemente nenhum objeto valioso tirado do lugar. Ele é um dos poucos que conseguiram furar o bloqueio policial, menos de dez que agora perambulam por sua cidade como fantasmas, olhando a destruição, sem acreditar no que vêem.
"Stop", fala o motorista branco da viatura, pelo alto-falante. Ele pára, mostra resignado o conteúdo de sua sacola vermelha, é revistado e liberado. "Temos de ter cuidado com os saqueadores", disse o xerife Brent Weaver. "É por isso que fechamos a cidade até segunda ordem." E por pressão da associação de lojistas, que se reúne na entrada da cidade e pressiona os guardas para que mantenham a integridade do conteúdo de suas lojas, já que o exterior já foi.
Mas o xerife cita também as condições precárias para justificar o isolamento. Ele tem razão. Não há água (além da que inunda as ruas), energia elétrica nem comunicações funcionando aqui. Nos bairros residenciais, o estrago maior foi feito pela queda de árvores e postes de luz e telefone.
No porto, dois navios, o Cape Victory e o Cape Vincent, parecem à deriva. Um deles serviu de abrigo para os veículos dos órgãos de emergência durante o furacão. Engoliu ambulâncias, carros de bombeiros, para depois entregá-los a salvo na tarde de sábado. Um alarme antifuracão continua disparado, mas está perdendo a força, pois a gasolina do gerador chega ao fim. No estacionamento próximo deles, outro alarme, dessa vez antirroubo e de um ônibus escolar amarelo daqueles típicos norte-americanos, também dá seus últimos gritos.
A escola próxima, aliás, anuncia uma "Semana do Dinossauro" que não vai mais acontecer. A faixa foi arrancada pela metade pelos ventos.
Na rua Orlean, Richard Gilbert calcula os estragos de sua Mystros Barber Academy, uma barbearia-escola que perdeu a vitrine, um dos cilindros listrados e foi inundada e não ensinará ninguém por um bom tempo. Insistente, ele vai reconstruir. Insistência, aliás, é a principal qualidade dos que moram aqui em Beaumont, atingida pelos furacões Audrey (em 1957, 390 mortos), Carla (1961), Bonnie (1986, 3 mortos) e Allison (2001).
Na saída para a I-10, uma placa dá as opções: à esquerda, para oeste, Houston; à direita, para leste, Baton Rouge. Para alívio de 2 milhões de pessoas e desgraça de dezenas de milhares de outras, Rita tomou a segunda direção.


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