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NO OLHO DO FURACÃO
Entre estilhaços, sirenes tocam sozinhas em Beaumont, no Texas, uma das mais atingidas
Cidade parece cenário vazio e saqueado
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A BEAUMONT
Entrar numa cidade vazia que
poucos dias atrás contava com
seus 120 mil habitantes é como
entrar numa cidade-cenário que
tivesse acabado de ser construída para uma cena de um filme.
Entrar numa cidade vazia que
poucas horas atrás viu o olho de
um furacão passar por suas ruas
é pior: lembra a mesma cidade
cenográfica, mas que fosse saqueada e destruída por bárbaros. Assim está Beaumont, na
fronteira do Texas com a Louisiana, com o acesso totalmente
fechado pela polícia inclusive
para seus moradores, à qual a
Folha teve acesso no fim da tarde de anteontem.
De cara, um aviso de que a situação adiante não será normal:
a rua principal de acesso da rodovia interestadual I-10 ao centro da cidade está interrompida
por um poste de luz derrubado
pela força do Rita, que entrou no
continente norte-americano por
essa região do golfo, com ventos
de até 190km/h, capazes de fazer
voar pessoas, arrancar telhados,
dobrar árvores e quebrar postes
de luz, como esse que agora impede a passagem à cidade.
Improvisado um desvio pelo
estacionamento de um supermercado com todos os vidros
quebrados, o segundo sinal: cinco metros de água tomam a rua
principal de Beaumont na passagem do centro velho para o
porto, onde estão ancorados os
petroleiros que movem a economia daqui. Foi aqui, aliás, que
começou a "corrida do óleo", em
1901, com a descoberta do primeiro poço do Texas.
Mas a cidade, em si, não é rica
como suas irmãs mais ao norte e
a sudoeste, casos de Houston,
Austin e Dallas. Nem republicana. O Condado (divisão administrativa norte-americana) em
que está foi o único no sul do Estado a votar no democrata John
Kerry nas últimas eleições presidenciais, não no "filho da terra"
George W. Bush. Os eleitores
eram trabalhadores da indústria
do petróleo, na maioria, compostos de brancos e negros em
igual proporção.
Negra, aliás, é a cor do homem
que está sendo parado pela polícia agora, em frente à loja de
cristais Antique Art Gallery, que
tem os vidros quebrados, o teto
arrancado, mas aparentemente
nenhum objeto valioso tirado do
lugar. Ele é um dos poucos que
conseguiram furar o bloqueio
policial, menos de dez que agora
perambulam por sua cidade como fantasmas, olhando a destruição, sem acreditar no que
vêem.
"Stop", fala o motorista branco da viatura, pelo alto-falante.
Ele pára, mostra resignado o
conteúdo de sua sacola vermelha, é revistado e liberado. "Temos de ter cuidado com os saqueadores", disse o xerife Brent
Weaver. "É por isso que fechamos a cidade até segunda ordem." E por pressão da associação de lojistas, que se reúne na
entrada da cidade e pressiona os
guardas para que mantenham a
integridade do conteúdo de suas
lojas, já que o exterior já foi.
Mas o xerife cita também as
condições precárias para justificar o isolamento. Ele tem razão.
Não há água (além da que inunda as ruas), energia elétrica nem
comunicações funcionando
aqui. Nos bairros residenciais, o
estrago maior foi feito pela queda de árvores e postes de luz e telefone.
No porto, dois navios, o Cape
Victory e o Cape Vincent, parecem à deriva. Um deles serviu de
abrigo para os veículos dos órgãos de emergência durante o
furacão. Engoliu ambulâncias,
carros de bombeiros, para depois entregá-los a salvo na tarde
de sábado. Um alarme antifuracão continua disparado, mas está perdendo a força, pois a gasolina do gerador chega ao fim. No
estacionamento próximo deles,
outro alarme, dessa vez antirroubo e de um ônibus escolar
amarelo daqueles típicos norte-americanos, também dá seus últimos gritos.
A escola próxima, aliás, anuncia uma "Semana do Dinossauro" que não vai mais acontecer.
A faixa foi arrancada pela metade pelos ventos.
Na rua Orlean, Richard Gilbert
calcula os estragos de sua
Mystros Barber Academy, uma
barbearia-escola que perdeu a
vitrine, um dos cilindros listrados e foi inundada e não ensinará ninguém por um bom tempo.
Insistente, ele vai reconstruir.
Insistência, aliás, é a principal
qualidade dos que moram aqui
em Beaumont, atingida pelos furacões Audrey (em 1957, 390
mortos), Carla (1961), Bonnie
(1986, 3 mortos) e Allison (2001).
Na saída para a I-10, uma placa
dá as opções: à esquerda, para
oeste, Houston; à direita, para
leste, Baton Rouge. Para alívio
de 2 milhões de pessoas e desgraça de dezenas de milhares de
outras, Rita tomou a segunda direção.
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