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São Paulo, quarta-feira, 26 de novembro de 2003

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AFEGANISTÃO

Presidente Karzai admite que instabilidade segue sendo maior problema do país e promete regime islâmico democrático

Afeganistão pede mais tropas estrangeiras

JORGE MARIRRODRIGA
DO "EL PAÍS", EM CABUL

A estabilidade continua a ser o que mais falta no Afeganistão, como reconhece o próprio presidente interino Hamid Karzai, entrevistado em seu palácio presidencial, em Cabul, rodeado de uma guarda formada por ex-militares ocidentais, em sua maioria americanos.
Durante a entrevista que concedeu nesta semana a vários órgãos de imprensa europeus, entre eles o "El País", Karzai aparentava tranquilidade e fez brincadeiras, apesar de um tiroteio intenso que ocorrera minutos antes à porta do complexo presidencial, deixando três mortos e provocando estado de alarme no palácio e em suas redondezas.
O maior objetivo atual do presidente afegão é fazer com que a Grande Assembléia afegã, conhecida como Loya Jirga, que se reunirá em 13 de dezembro, aprove uma nova Constituição que permita a realização de eleições em junho de 2004.
 

Pergunta - A nova Constituição define o Afeganistão como um "Estado islâmico". Qual será o papel da religião islâmica em seu país?
Hamid Karzai -
Já somos um Estado islâmico -somos crentes fervorosos no islã, e nada que possa haver na nova Constituição poderá ir contra isso. Ao mesmo tempo, porém, o islã não é algo que contraria os direitos humanos, as liberdades de maneira geral e a liberdade política. A nova Constituição dedica atenção especial à defesa dos direitos humanos e a outras práticas de transparência democrática. Por exemplo, o presidente não pode ser eleito para mais de dois mandatos, e o Parlamento terá mandato de cinco anos. Existe um Poder Judiciário independente, e o reconhecimento do papel da mulher na sociedade é explícito. De fato, nas eleições realizadas para escolher representantes junto à Loya Jirga de dezembro, houve mulheres eleitas, mesmo em regiões em que o Taleban [grupo extremista deposto em 2001 por coalizão liderada pelos EUA por apoiar e abrigar a liderança da Al Qaeda] tinha grande apoio popular.

Pergunta - O governo afegão controla todo o território do país?
Karzai -
Devo dizer que o governo se encontra presente até mesmo nas regiões mais distantes, como entidade política, mas não presta nenhum tipo de serviço. Faltam recursos humanos e pessoal preparado. Quando eu estava na universidade, o país mergulhou na guerra. Alguns de nós conseguimos concluir nossos estudos, mas, desde então, tivemos um vazio de 30 anos durante os quais não se formou nenhum pessoal especializado. Embora a situação venha melhorando nos últimos 12 meses, nos faltam meios para controlar todo o território afegão, e é por isso que estamos pedindo mais armamentos.

Pergunta - Isso significa que o senhor quer mais tropas internacionais em seu país?
Karzai -
Desde o primeiro momento em que tomei posse como presidente, há dois anos, venho recebendo pessoas pertencentes a todos os setores da população afegã. E todas me pedem a mesma coisa: a ampliação da Isaf [a sigla em inglês para Força Internacional para Assistência na Segurança] como garantia de que o Afeganistão não volte a ficar só. Para a população, as tropas internacionais constituem uma garantia de continuidade, e o próprio secretário-geral da Otan, lorde Robertson, quer que as atividades das forças internacionais se estendam às Províncias [no momento, as tropas estão presentes apenas em Cabul e Konduz].
Neste momento, o Afeganistão tem três problemas importantes: o terrorismo ao longo da fronteira paquistanesa, que o governo não pode controlar, o cultivo da papoula para a produção de drogas, que tampouco pode ser enfrentada, e a existência dos senhores de guerra. Esses três fatores nos obrigam a precisar de mais tropas internacionais, mas também de uma polícia cada vez maior.

Pergunta - Está previsto que o Afeganistão tenha um Exército de 70 mil homens e uma polícia de 50 mil. Não serão suficientes?
Karzai -
As eleições gerais devem acontecer em junho de 2004, e até então haverá apenas 9.000 militares que nem sequer estão adequadamente treinados. É evidente que esse número é insuficiente. A realização das eleições é uma obrigação inescapável que a população aguarda ansiosamente. Ela quer participar e se sentir representada.


Tradução de Clara Allain


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