São Paulo, sábado, 26 de novembro de 2005

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SEXO FORTE

Mulheres assumem o comando pela primeira vez na Alemanha e na África

Lideranças femininas se fortalecem pelo mundo

Gerar Cerles - 23.nov.2005/France Presse
A chanceler alemã, Angela Merkel, dá entrevista, em Bruxelas


ANDRÉ FONTAINE
DO "LE MONDE"

Uma mulher lidera a Alemanha pela primeira vez na história. Hillary Clinton se prepara para disputar a sucessão de George W. Bush. Alguns republicanos gostariam de ver a fascinante "Condi" Rice concorrer com ela. Com isso, uma rede de televisão americana pôs no ar um seriado de sucesso intitulado "Commander in Chief" (comandante-em-chefe), cuja heroína é uma presidente (jovem e bela) dos Estados Unidos que chega ao cargo após a morte de seu antecessor.
Na Libéria, economista Ellen Johnson-Sirleaf, 67, tornou-se nesta semana a primeira mulher eleita para a Presidência de um país africano. No Peru e no Chile, mulheres lideram as pesquisas de opinião para o cargo máximo de seus países.
Na Irlanda, no Canadá, no Peru, nas Filipinas, no Sri Lanka e em Fiji, a magistratura suprema é hoje exercida por uma mulher. Letônia, Nova Zelândia e Bangladesh têm primeiras-ministras. Na França, a acreditarmos nos institutos de pesquisas, quem tem a preferência do eleitorado socialista na disputa pela Presidência é Ségolène Royal, de sobrenome predestinado.
Michèle Alliot-Marie ganhou um ponto nas sondagens ao anunciar que não se recusaria necessariamente a defender as cores da UMP. Meio século atrás, o polemólogo (estudioso de guerras) Gaston Bouthoul (1896-1980) opinou que, já que os homens já deram provas contundentes, e freqüentemente sinistras, de sua incapacidade de dirigir o mundo, era chegada a hora de confiar o poder ao outro sexo. Estará a voz do povo agora lhe dando razão?
Gostaríamos de acreditar que o machismo perdeu força na França desde a época em que a representação nacional se divertia atacando a infeliz Edith Cresson.
Na verdade, é fato freqüentemente notado que, de todas as leis da República, aquela que pretende instituir a paridade entre os sexos é uma das menos respeitadas.
Saindo da esfera francesa, outro fato é que Golda Meir, Margaret Thatcher, Benazir Bhutto ou a turca Tansu Ciller deixaram o poder depois de ocupá-lo por muito tempo e que nenhuma mulher procurou suceder a elas. Sonia Gandhi resistiu à tentação de disputar a sucessão de sua sogra e seu marido assassinados.
O reino de Isabelita, a terceira esposa e vice-presidente de Perón, a quem substituiu após sua morte, tentando ressuscitar o fantasma idealizado de Evita, abriu caminho para um golpe de Estado militar.
Os quatro anos passados na direção do Estado indonésio por Megawati Sukarnoputri, filha do primeiro presidente da Indonésia independente, terminaram com uma derrota eleitoral marcante e a ascensão de um general ao poder.
De qualquer maneira, nenhum país árabe -não dissemos muçulmano-, nenhum país mediterrâneo, nenhum país da Comunidade dos Estados Independentes, que abrange a grande maioria das repúblicas ex-soviéticas, nenhum país da América Latina (excetuando Argentina, Peru e República Dominicana) e nenhum país da África negra até agora (a primeira presidente eleita na África, Johnson-Sirlea, ainda não assumiu a Presidência )- passou pela experiência do poder feminino.

Papel decisivo
O mesmo pode se dizer sobre a China, deixando de lado o reinado catastrófico da imperatriz Tseu-hi, que, três anos após sua morte, em 1908, levou à proclamação da República.
O mesmo se aplica ao Japão, ao Irã, ao Afeganistão, ao Camboja, ao Laos, ao Vietnã, a Mianmar, à Tailândia, às duas Coréias e a muitos outros países. E as igrejas católica e ortodoxa, apesar do lugar de destaque que conferem ao culto de Maria, sempre se mantiveram igualmente distantes do feminismo.
Tudo isso não quer dizer que, muito freqüentemente, esposas, amantes, eleitas, confidentes, intelectuais, presidentes de empresas, sindicalistas, estrelas da mídia e outras mulheres não exerçam papel político importante.
É o caso, por exemplo, de Bernadette Chirac na França ou da já mencionada "Condi" Rice nos EUA. Na França, na época em que a lei sálica proibia o acesso das mulheres ao trono, houve períodos em que, mesmo assim, as mulheres, para melhor ou para pior, exerceram um papel político decisivo.
A França não existiria mais se Joana d'Arc não tivesse lutado para libertá-la. Ela seria totalmente diferente se a regente Catarina de Médicis, com um misto extraordinário de fineza e brutalidade, não tivesse se dedicado integralmente à consolidação de um Estado ameaçado de fragmentação em função das guerras religiosas. E Alexandre Dumas sabia que não corria o risco de ser malvisto quando fez de outra Médicis, esta de nome Maria, um dos personagens principais de seu "Os Três Mosqueteiros".
Deixando de lado a Holanda, a Prússia e a Polônia, todos os outros grandes países da Europa antes de Napoleão também conheceram reinados femininos cheios de brilho, nenhum dos quais foi seguido por outro. Irene de Bizâncio, a grande defensora do culto das imagens -que subiu ao trono, ou melhor o fez pela segunda vez, três anos antes da sagração de Carlos Magno, mandando furar os olhos de seu filho Constantino 6º, culpado de iconoclasia-, foi, segundo sua biógrafa Dominique Barbe, a única imperadora que o Império romano conheceu.
A rainha de Castela Isabel, a Católica, cujo casamento com Fernando de Aragão permitiu a unificação da Espanha após os séculos de "guerra fria", como era conhecida na época a guerra contra os mouros, é um dos personagens essenciais da história da humanidade, já que foi o apoio dela que permitiu a Cristóvão Colombo descobrir a América em 1492.
Sessenta anos mais tarde, Elizabeth, "a mulher sem homem", sangrava as coroas da Inglaterra e da Irlanda e restabelecia a religião anglicana, enquanto esperava para mandar assassinar sua prima e rival, a católica Mary Stuart. Foi preciso esperar o advento da rainha Vitória, imperadora das Índias, em 1877, para que surgisse outra monarca britânica de prestígio comparável.
A Suécia teve sua rainha Christina, protetora de Descartes, que não hesitou em fazer-se proclamar "rei" e que consolidou o trabalho unificador de seu pai, Gustave-Adolphe, na maior parte das margens do Báltico, antes de converter-se ao catolicismo e deixar seu país.
A Rússia teve sua "Catarina, a Grande", alemã que depôs o czar, seu marido, que morreu alguns dias mais tarde, sem dúvida numa bebedeira. Ela ampliou o império graças à divisão da Polônia entre Rússia, Prússia e Áustria e à conquista de uma parte das possessões turcas dos Bálcãs e do Cáucaso, o que contribui para explicar o problema tchetcheno, especialmente. Grande admiradora dos filósofos franceses, ela falava e escrevia o francês com perfeição e era venerada por Voltaire, tendo sido uma das figuras marcantes do século 18.

Uma classe excepcional
Resta a Áustria e outra adepta, bem menos brutal, daquilo que se convencionou chamar de "despotismo esclarecido": a imperatriz Maria Teresa, dotada de grande charme e inteligência e que, aliando-se à França, soube conter as ambições da Prússia, com a qual, entretanto, acabou se associando no desmembramento da Polônia.
Essas mulheres não eram "rapazes que não deram certo" -longe disso. Eram, em sua maioria, muito belas e tiveram vidas sentimentais razoavelmente agitadas.
Elas possuíam qualidades como o gosto pelo concreto, a intuição, a clareza de visão, o ceticismo com relação às teorias e do palavreado rebuscado, sem falar na coragem, do qual, em muitos casos, eram mais bem dotadas do que os representantes do sexo dito forte.
Elas precisavam ter muita classe, e era preciso que as circunstâncias fossem excepcionais, para que pudessem se impor a um sistema de poder essencialmente masculino.
Isso explica o fato de seus sucessores praticamente sempre terem sido homens. A bem da verdade, a situação não mudou tanto assim no mundo de hoje. O caso da begum (princesa) Zia, viúva do primeiro presidente do Bangladesh (assassinado em 1981), que é primeira-ministra sem interrupção desde 1991, é único.
De maneira geral, com a exceção dos Estados Unidos, dos países nórdicos e de alguns pontos da Ásia não-amarela, as chances de uma mulher chegar a ter um destino político importante ainda são tão restritas quanto eram sob o antigo regime. Em vista da mediocridade da classe política, amplamente reconhecida pelas sondagens, quem sabe não fosse interessante encorajar novas vocações.

Com agências internacionais

Tradução de Clara Allain


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