São Paulo, segunda-feira, 27 de março de 2000


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Saiba quem é o vencedor da eleição

do enviado especial

De obscuro agente secreto da KGB a líder do maior país do mundo em extensão, Vladimir Putin carrega em sua trajetória a marca de ser o homem certo no lugar certo em diversas ocasiões.
Dono de um estilo regrado, oposto ao de Boris Ieltsin, ele fala pouco sobre sua vida pessoal. É casado com Ludmila (a "Luda") e tem duas filhas, Katia e Masha.
As diferenças com seu antecessor são várias: fala outra língua, o alemão, não fuma e, principalmente, bebe pouco. Esportista, caminha com frequência e é faixa preta em judô. Nascido em 7 de outubro de 1952 em Leningrado, hoje São Petersburgo, Vladimir Vladimirovitch Putin viveu infância e adolescência simples.
Sua vida pública começa em 1975, quando se formou em direito pela Universidade de Leningrado -já recrutado pela KGB. Foi enviado a Dresden, na então Alemanha Oriental, posto prestigioso para um jovem espião. Oficialmente, para manter "contatos com assuntos alemães-orientais".
Mas havia uma grande batalha da Guerra Fria, a que determinou o fim da União Soviética, em curso. Era a batalha econômica.
A era de Leonid Brejnev morria com seu líder, em 1982, e os oficiais soviéticos perceberam que todo o bloco oriental não acompanhava mais o passo tecnológico e militar do Ocidente.
É notório que toda a KGB se empenhou em tentar reverter o quadro com espionagem econômica. Com a União Soviética sob o comando de Iuri Andropov, ex-chefe dos espiões e frequentemente elogiado por Putin, toda a elite do sistema se engajou no processo de reestruturação da economia -que viraria a perestroika de Mikhail Gorbatchov.
Dresden era estratégica por ser uma das cinco cidades do bloco soviético com indústria de alta tecnologia.
Segundo a Stratfor Intelligence Service, uma empresa de serviços de inteligência dos EUA, Putin teria roubado segredos industriais para a Robotron, empresa alemã-oriental que fornecia material de informática para todo o mundo comunista. Não há provas disso.
Com a inevitável derrota na Guerra Fria, a KGB mandou Putin de volta para Leningrado em 1989. Também segundo a Stratfor, sua missão teria sido a de monitorar a movimentação dos reformistas locais -como em 1917, a cidade era o berço de idéias radicais contra o sistema.
Oficialmente, ele voltou para a universidade como pró-reitor de relações internacionais e se aposentou da KGB. Restabeleceu contato com Anatoli Sobchak, que fora seu professor na década de 70 e na época era chefe do soviete de Leningrado. Sobchak, que morreu de infarto no mês passado, era um dos líderes pró-democracia locais. Nomeou Putin como assessor para assuntos internacionais.
Em junho de 91, Sobchak foi eleito prefeito e trouxe Putin para ser seu adjunto. Delegou diversas tarefas econômicas a Putin, como celebrar um contrato com a empresa de consultoria KPMG para atrair bancos e empresas.
Data desse período o único escândalo associado ao nome de Putin. Em 1992, procuradores de São Petersburgo acusaram o então prefeito-adjunto de desaparecer com US$ 120 milhões em produtos que seriam trocados por comida na Europa. Putin culpou a burocracia pelo desvio, mas a Procuradoria sugeriu seu afastamento. Sobchak não aceitou.
Em 1996, Putin coordenou a campanha do chefe à reeleição. Falhou e perdeu para Vladimir Iakovlev, que o convidou para ficar. Ele não aceitou. Então Putin entrou no Kremlin como assistente de Pavel Borodin, que ocupava cargo equivalente ao de chefe da Casa Civil no Brasil. Depois, em 97, foi promovido a adjunto de Borodin e a chefe do Departamento de Controle -a poderosa função de checar se as ordens de Boris Ieltsin eram cumpridas.
Nessa época, segundo relata a Stratfor, ele começou a elaborar dossiês sobre tudo e todos na administração federal.
Em março de 98, Putin começou a trazer seus amigos da KGB para o poder. Nikolai Patruchev, colega dos tempos de Leningrado, o sucedeu quando virou chefe-adjunto da administração.
Em julho do mesmo ano, sua posição se consolidou quando Ieltsin o apontou para comandar o FSB (Serviço de Segurança Federal), o principal órgão resultante do desmembramento da KGB em três, ocorrido em 1993.
Foi quando um grupo íntimo de antigos colegas, os mesmos que agora ele diz que vai trazer para combater a corrupção, foi trazido para o FSB: Patruchev, Sergei Ivanov, Viktor Tcherkesov e Alexander Grigoriev.
Nessa época, ele acabou sendo bombardeado nos bastidores pelo então premiê, Ievguêni Primakov, que inicialmente era seu protetor e depois o via como uma ameaça crescente. Sem sucesso, mesmo porque Ieltsin acabou por demiti-lo antes que pudesse derrubar Putin.
Após ser apontado também como secretário do poderoso Conselho de Segurança, em março de 99, ficou claro que Putin era um desconhecido apenas para o grande público e o Ocidente.
À frente do FSB, Putin foi alvo de críticas por supostamente ter dificultado as investigações de dois assassinatos políticos, o do jornalista Anatoli Levin-Uktin, que apurava corrupção governamental, e o da deputada liberal Galina Staroitova.
Ao substituir o reformista Sergei Stepashin como premiê, em 9 de agosto passado, Putin já provara que sabia estar bem posicionado quando fosse necessário.
Sua campanha contra os separatistas tchetchenos provou-se popular, embora permaneça um mistério o fato de a guerra não ser uma prioridade para os russos, segundo pesquisas.
Mais paradoxalmente ainda, Putin deve sua vitória ao fato de ter sido escolhido sucessor e presidente em exercício após a renúncia de Ieltsin e também pelo fato de ter se distanciado totalmente do ex-presidente durante a campanha -apesar de ter protegido Ieltsin e sua família com imunidade contra investigações.
Para o Ocidente, parafraseando o diálogo entre Margaret Thatcher e Ronald Reagan sobre Gorbatchov, ele parece ser um "homem com quem se poder fazer negócios". Não tem os rompantes de Ieltsin, mas carrega a sombra do passado e a mancha da campanha no Cáucaso. (IG)


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