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São Paulo, quinta-feira, 27 de março de 2003

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HISTÓRIA

Guerra urbana inutiliza tecnologia moderna

ALAN COWELL
DO "THE NEW YORK TIMES"

Cada edifício alto e arruinado se torna um posto para tocaieiros, cada via deserta uma zona de emboscada. Nessa espécie de guerra, avanços e retiradas são medidos em quarteirões, meios quarteirões ou mesmo em casas. Nos cálculos da batalha, o escudo da tecnologia dá lugar a falhas humanas e a habilidades humanas: velocidade, camuflagem, conhecimento estreito das ruas e becos.
Desde Stalingrado e Berlim na Segunda Guerra Mundial, do ataque norte-americano a Hué, no Vietnã, em 1968, e chegando às zonas de combate de Beirute ou Nablus, Belfast ou Mogadício, a guerra urbana se tornou parte central do arsenal dos mais fracos, uma luta sem escrúpulos pela vantagem posicional na guerra de propaganda que explora as perdas de vidas civis e nega a superioridade bélica do intruso.
E é esse tipo confuso, manipulativo e mortífero de combate entre forças convencionais e defensores pouco visíveis que pode receber os americanos em Bagdá.
"Os iraquianos vão querer lutar de perto com tanques iraquianos saindo de garagens e galpões e voltando a se esconder neles", escreveu o general Wesley Clark, o oficial americano hoje reformado que comandou as forças da Otan na campanha de Kosovo.
"A luta estará repleta de truques que já vimos, e outros: emboscadas, rendições falsas, soldados vestidos de mulher, ataques contra áreas de retaguarda e postos de comando", afirma ele em artigo no "Times" de Londres.
Embora todos os comandantes da coalizão anglo-americana tenham expressado indignação quanto ao que encaram como táticas iraquianas pouco honrosas, a guerra urbana sempre teve suas regras de astúcia e disfarce, do uso de um cavalo de madeira para pôr fim ao cerco de Tróia, 3.100 anos atrás, aos tempos modernos, quando a guerra está na televisão ao vivo, 24 horas por dia.
E, nesse mundo pós-Guerra Fria, de guerra assimétrica, a luta passou a ser por uma forma de anular a tecnologia que permite que as tropas americanas matem sem sofrer baixas.
Nas décadas recentes, a guerra urbana tomou muitas formas, com muitos objetivos.
Quando as tropas soviéticas penetraram Berlim, em 1945, diante dos frágeis remanescentes dos exércitos do Terceiro Reich, sua intenção era claramente a conquista, não a libertação que Washington diz procurar no Iraque.
Em Beirute, no anos 70, em contraste, as forças palestinas e das demais organizações muçulmanas enfrentavam as milícias cristãs, divididas por uma linha religiosa cujos incongruentes marcos eram hotéis de luxo à beira-mar, perdidos e reconquistados em lutas de quarto a quarto.
As armas incluíam projéteis antitanque disparados do ombro, fuzis de assalto, metralhadoras montadas em picapes e sistemas que punham em destaque a mobilidade e a capacidade de camuflagem. Mas, quando os fuzileiros navais americanos intervieram no Líbano, uma arma primária -um caminhão-bomba- matou mais de 230 deles em 1983.
Em Berlim e Beirute e nos assaltos russos à capital tchetchena, Grozni, os combates reduziram as áreas urbanas a detritos. Mas é a familiaridade do terreno urbano que permite que seja usado com vantagem por quem nele vive.
"A guerra urbana em geral beneficia o defensor" e "nega a vantagem tecnológica da coalizão", diz Clifford Beal, editor da revista "Jane's Defense Weekly".
Uma guerra que dependa da baixa tecnologia e números elevados de combatentes e baixas é o oposto daquilo que o moderno Exército americano está treinado para fazer. E mesmo o Exército britânico não estaria totalmente familiarizado com o terreno iraquiano ou o poder de fogo muito maior de que as tropas iraquianas poderão dispor em áreas urbanas.


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