São Paulo, quinta-feira, 27 de julho de 2006

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análise

EUA têm de falar a sério com a Síria

THOMAS L. FRIEDMAN
DO "NEW YORK TIMES", EM DAMASCO

Poderíamos nos perguntar de que planeta chegou a secretária de Estado Condoleezza Rice, pensando que pode montar uma força internacional para assumir o controle do sul do Líbano, sem ir até Damasco e tentar conquistar o apoio dos sírios.
Dois altos funcionários sírios não mediram palavras quando perguntei qual era sua reação à idéia do envio de tal força à região, sem o apoio sírio. Me perguntaram se eu me lembrava de 1983, quando o governo Reagan tentou impor ao Líbano um tratado formulado por Israel, contra a vontade da Síria.
Eu estava lá e me recordo muito bem: o Hizbollah, sem dúvida respaldado pela Síria ou pelo Irã, estreou suas habilidades diante do mundo, explodindo a embaixada dos EUA em Beirute e batalhões dos marines americanos e das forças de paz francesas.
Será que podemos conseguir a adesão da Síria? Podemos separar Damasco de Teerã? As conversas que venho mantendo aqui em Damasco sugerem que isso seria muito difícil, mas que valeria a pena tentar. Trata-se da manobra estratégica mais importante que poderíamos fazer, porque a Síria é a ponte entre Irã e Hizbollah. Mas isso exigiria um diálogo racional, de alto nível. Condoleezza Rice diz que podemos tratar com a Síria por canais diplomáticos normais. Será?
Já retiramos nosso embaixador de Damasco, e os diplomatas dos EUA que restaram são autorizados a reunir-se apenas com o diretor de protocolo do Ministério do Exterior, cujo trabalho é perguntar como eles preferem seu café turco. O embaixador sírio em Washington também está isolado.
Devemos encarar o Líbano com realismo. O Hizbollah cometeu um erro insensato ao provocar Israel e deveria envergonhar-se pelo desastre no Líbano. Entendo a necessidade vital que tem Israel de degradar os foguetes do Hizbollah. Mas a milícia, que representa 40% do Líbano -os xiitas-, não pode ser erradicada a um preço que possa ser pago por Israel ou por aliados árabes dos EUA.
Apesar das bravatas do Hizbollah, Israel o feriu gravemente. O que se queria deixar claro já foi demonstrado. É hora de pôr fim a essa guerra e montar um acordo. Quem quiser dar um golpe de nocaute acabará por nocautear a si mesmo.
Será que a Síria vai entrar no jogo? Os sírios dirão que sua aliança com o Irã é um "casamento de conveniência". Autoridades sírias enfatizam que formaram a aliança por não ter alternativa. O que os sírios querem?
Eles respondem: respeito por seus interesses de segurança no Líbano e a retomada das negociações em torno do Golã. A Síria apóia os baathistas sunitas no Iraque. Por mais que a equipe Bush queira, não pode combater todos ao mesmo tempo. Não haverá força de paz no sul do Líbano a não ser que tenha o apoio da Síria. Ninguém enviará tropas para ela.
Repito: não sei se a Síria pode ser convencida. Mas é preciso tentar, com incentivos e punições reais. A Síria não vai acalmar a situação no Líbano ou no Iraque só para que a equipe Bush possa em seguida voltar sua atenção à tentativa de impor mudança de regime em Damasco. Como me disse um diplomata aqui: "Os perus não votam pelo Dia de Ação de Graças".


Tradução de CLARA ALLAIN

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