São Paulo, quarta-feira, 27 de outubro de 2004

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IRAQUE SOB TUTELA

Parecer do governo diz que Convenções de Genebra não se aplicam a não-iraquianos detidos; ONGs discordam

EUA "flexibilizam" lei de guerra no Iraque

DOUGLAS JEHL
DO "NEW YORK TIMES"

Um novo parecer legal do governo Bush concluiu que alguns prisioneiros não-iraquianos capturados por forças americanas no Iraque não têm direito às garantias das Convenções de Genebra, afirmaram ontem funcionários do governo dos EUA.
O parecer, elaborado nos últimos meses, estabelece uma exceção importante a declarações públicas pelo governo Bush desde março de 2003 de que as Convenções de Genebra se aplicavam a prisioneiros do conflito no Iraque, disseram os funcionários.
Eles afirmaram que o parecer essencialmente permite que militares e a CIA tratem ao menos um pequeno número de prisioneiros não-iraquianos capturados no Iraque da mesma forma que membros da Al Qaeda capturados no Afeganistão, no Paquistão ou em outros locais. Para os EUA, as Convenções de Genebra não se aplicam a terroristas da Al Qaeda pois eles não são prisioneiros de guerra, ligados a um Exército oficial, mas "combatentes ilegais".
Os funcionários do governo dos EUA resumiram o parecer ontem em resposta a uma reportagem publicada no diário "The Washington Post" no fim de semana. O texto afirmava que a CIA havia transferido secretamente 12 prisioneiros não-iraquianos para fora do Iraque nos últimos 18 meses, apesar de as Convenções de Genebra proibirem a deportação de civis de territórios ocupados.
Desde o início de 2002, os EUA transferiram centenas de prisioneiros da Al Qaeda e do Taleban à base americana de Guantánamo, em Cuba. Os funcionários do governo disseram que os prisioneiros capturados no Iraque não seriam levados a Guantánamo, mas não quiseram dizer para onde eles estavam sendo enviados.
Eles afirmaram ainda que o novo parecer representava um consenso entre advogados dos departamentos de Estado, da Justiça e da Defesa, do Conselho de Segurança Nacional e de outras agências, envolvidos em discussões desde março deste ano, quando o Departamento da Justiça fez circular um memorando inicial a respeito do assunto. Um dos funcionários do governo ouvidos ontem afirmou que o parecer foi pedido pela CIA para estabelecer a legalidade de suas transferências secretas de prisioneiros não-iraquianos, a partir de abril de 2003, para interrogá-los fora do Iraque.

"Vazio legal"
O conselheiro jurídico da Human Rights Watch, Reed Brody, disse à Folha que as Convenções de Genebra se aplicam aos prisioneiros não-iraquianos, já que são aplicáveis a qualquer pessoa capturada no campo de batalha em um país ocupado. Para ele, o parecer usa "um argumento jurídico muito torcido", mas o mais importante é assegurar que alguma legislação seja aplicada aos prisioneiros, evitando um "vazio legal".
A principal preocupação da HRW, afirmou, é com o que está sendo feito na prática com os detidos. "Há cada vez mais evidências de que detidos estão "desaparecendo" nas mãos da CIA", disse. "Suspeitos no Iraque são enviados a lugares secretos, sem acesso nem mesmo à Cruz Vermelha."
A porta-voz da Cruz Vermelha Antonella Notari emitiu opinião semelhante à agência Reuters. Para ela, independentemente de as Convenções serem ou não aplicáveis, todos os prisioneiros precisam estar cobertos por alguma legislação, seja ela internacional, americana ou iraquiana.
"O importante é não deter pessoas fora de qualquer estrutura legal. É o que sempre dissemos sobre Guantánamo", afirmou.
Em junho, a Suprema Corte dos EUA decidiu que detentos em Guantánamo tinham o direito de recorrer a tribunais americanos para desafiar sua detenção.


Colaborou Maria Brant, free-lance para a Folha
Com agências internacionais


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